Merkel não seria Merkel se não hesitasse. Mas independentemente de qualquer decisão que ela tome: Alemanha e Rússia terão que continuar a se entender. Até agora, o negócio de gás entre os dois países sobreviveu a todas as turbulências políticas.
Desde o começo, no início dos anos 1970, os americanos protestavam contra essa parceria: questionavam como a Alemanha poderia ser tão míope a ponto de fornecer divisas ao inimigo. No final daquela década, o então chanceler federal alemão, Helmut Schmidt, e o presidente americano, Jimmy Carter, brigaram sobre as transações da Alemanha com o Oriente. E seu sucessor no cargo, Ronald Reagan, criticou todos os pontos possíveis do acordo na cúpula do G7 em Ottawa, em 1981. Assim como o faz Donald Trump hoje.
Há décadas, os argumentos da Casa Branca são essencialmente os mesmos: qualquer dependência de Moscou enfraquece o Ocidente. A resposta de Berlim a isso veio certa vez de Helmut Schmidt: "Quem faz comércio um com outro não atira um no outro."
Um argumento que hoje praticamente não vale mais: mesmo os maiores pessimistas não imaginam um conflito militar entre a Otan e a Rússia. Os defensores do projeto Nord Stream 2 recorrem ao princípio de separar negócios da política – especialmente numa política que se baseia em valores.
A Alemanha tem realmente se saído bem com este princípio até agora: não importa se Moscou ameaçava o Ocidente com mísseis nucleares, se prendia dissidentes num gulag, invadia o Afeganistão ou declarava lei marcial na Polônia – o fluxo de gás nunca parou.
E, especialmente nos dias de hoje, Moscou está nos fazendo lembrar desse acordo tácito. Formulando cinicamente, o Kremlin espera: "Mesmo que perseguamos os opositores do regime, isso não afetará os negócios."
Mas quem concorda com este cálculo no Ocidente se torna aliado de Putin. Moscou está fazendo pouco esforço para negar o atentado contra o opositor Alexei Navalny. O regime parece ter a certeza de que a Alemanha, como já fez tantas vezes, só ameaçará, mas no final das contas não vai agir.
É um risco que o Kremlin acredita que deve correr atualmente: devido às manifestações no Extremo Oriente e em Belarus e ao padrão de vida em constante queda na Rússia. O Kremlin teme que manifestações em massa também possam ocorrer em Moscou. É por isso que o regime está mais do que nunca perseguindo adversários potencialmente perigosos. Navalny pode ser o mais importante, mas ele é apenas um entre muitos.
E ainda assim o Kremlin pode ter feito cálculos errados. Já se foram os dias em que a Alemanha era dependente do gás da Sibéria. O futuro pertence acima de tudo às energias alternativas, talvez não na Rússia, mas certamente na Europa. E há muitos Estados que querem vender gás para a Alemanha: vivemos em uma época de abundância de energia. Também não faz sentido dizer que o gás é uma "energia limpa", como argumenta-se. Embora produza menos CO2 do que o carvão quando é queimado, durante a extração e o transporte é liberado muito metano, que é prejudicial ao clima.
Merkel ganharia muito capital político nestes tempos econômicos difíceis se não apenas dissesse que "não descarta nada", mas se desistisse de vez do projeto do gasoduto com a Rússia: a Polônia, os franceses, os Estados bálticos e outros estariam muito mais dispostos a cooperar em várias questões centrais da União Europeia (UE) se a Alemanha finalmente se distanciasse claramente da Rússia.
Em seu último ano como chanceler, Merkel poderia assim, mais uma vez, escrever história: fazendo avançar a Europa e desistindo de um regime que de qualquer forma não tem nenhum futuro. Além disso, a Rússia não é um parceiro comercial realmente importante. Sem a possibilidade de exportar matérias-primas, o país está falido.
O fim do Nord Stream 2 teria um efeito de alerta muito além do projeto em si: a economia alemã se retiraria do mercado russo ainda mais forte do que antes. E a tentativa de Putin de modernizar o país com a ajuda do Ocidente finalmente fracassaria.
Miodrag Soric é jornalista da Deutsche Welle, ex-correspondente em Moscou e Washington. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.