"Quem sou eu para julgá-los?" Em julho de 2013, assim o papa Francisco se pronunciava sobre os homossexuais, espontaneamente, sem manuscrito, durante uma coletiva de imprensa no avião em que voltava do Brasil. E todos nós, o mundo, exultamos: um papa que não condena! Um papa que movimenta a Igreja – talvez, um pouquinho –, que se mostra reflexivo, verbalmente desarmado.
"É como contratar um matador de aluguel para resolver um problema", diz o mesmo papa cinco anos mais tarde. Ele se referia ao aborto, espontaneamente, deixando de lado o manuscrito, numa audiência geral na Praça de São Pedro. E mesmo os que não entendem italiano notaram que o aplauso usual durante e após o discurso foi mais contido. Um papa que não sabe agir diferente?
"A Igreja ama o pecador, mas não o pecado." Um padre amigo meu repete sempre essa frase para lembrar que a Igreja Católica condena atos, mas não pessoas. Mas o que ela deve fazer com alguém que ela acusa, através da pessoa e do cargo do papa, de praticamente contratar um matador de aluguel? Difícil, isso.
O tema aborto divide muitas sociedades, também a alemã, há muito tempo. Eu sei que é um ponto em que os homens devem se manter reservados. E achei admirável como, depois da reunificação da Alemanha, apenas deputadas esboçaram um quadro legal para o país, agora maior, com duas tradições totalmente diversas nesse aspecto, com grande seriedade, para além de partidos e confissões de fé.
Para muitos cristãos, não há interrupção de gravidez aceitável, trata-se sempre de matar uma vida não nascida. Mas, apesar de todo o peso da lei, há muitos anos a regra é não se proteger a vida não nascida e indefesa contra a mãe, mas apenas com a mãe.
Por isso considero correta toda oferta de aconselhamento, todo tipo de apoio financeiro. E ao mesmo tempo me assusto com o número de abortos nesta Alemanha rica e caracterizada pelo bem-estar.
Mas infelizmente não foi isso o que o papa disse desta vez, e sim "matador de aluguel". Isso aliena e magoa, pois se está falando de assassinar, não de matar. E porque Francisco joga a culpa, justamente, nas mulheres que contratam o "matador".
Do ponto de vista da sociedade, desde o fim dos anos 1960 a Igreja Católica perdeu seu peso nas questões de ética sexual. Os motivos são muitos, e ela torna as coisas simples demais para si ao atacar a maligna geração de 68. Pois foi ela mesma a se emparedar na questão do controle natal, através de suas posições extremas.
E as paredes ficaram cada vez mais altas, pois não se parava de colocar novos tijolos, com o melhor cimento, enquanto embaixo a base ia cedendo, tanto com o "não" à contracepção quanto ao condenar a homossexualidade.
E aí chegou alguém e disse: "Quem sou eu para julgá-los?" Assim, Francisco se transformou num outro tipo de papa. O cineasta alemão Wim Wenders acaba de celebrá-lo em seu belo documentário Papa Francisco: Um homem de palavra. Essas são palavras de magnífica grandeza humana.
E agora, "matador de aluguel". Será que o homem "de palavra" nesse momento tinha a própria linguagem sob controle? Francisco, o grande líder espiritual, mudou, nestes tempos em que a Igreja se encontra sensivelmente na última etapa de uma época. Ele transformou o cargo, mas agora o cargo contra-ataca.
Como se não bastasse, diz essas palavras em meio à crise de abuso sexual na Igreja. Neste momento, o olhar está voltado para as vítimas, e muitas católicas e católicos sofrem com elas, que esperam esclarecimento, justiça, mudanças para que no futuro se evitem tais crimes.
Elas esperam, esperam e esperam por uma nova credibilidade da liderança de sua Igreja. Elas estão iradas porque tantos padres se tornaram agressores, e no entanto alguns bispos dizem que agora "a Igreja" deve mostrar constrição. Não, quem tem que se penitenciar não é a Igreja Católica como um todo, e muito menos as vítimas.
Não, por mais admirável que eu considere esse papa: Francisco, cale-se até segunda ordem, primeiro investigue os crimes e os acobertamentos! E, em vez disso, mostre ao mundo o "Quem sou eu para julgá-los?" Numa época de discursos de ódio e de populismo, de "curtir" e "não curtir", isso já seria muito.
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