Imagine que você é um alienígena, bisbilhotando do espaço e, por acaso, captou a cobertura de algum canal da televisão a cabo americana sobre o (atual) escândalo de dados do Facebook, assim como acabei de fazer num hotel em Hamburgo na semana passada. Você poderia pensar que o único problema da gigante das redes sociais era a queda vertiginosa do valor de suas ações.
O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, que deu seus primeiros passos cínicos em direção à criação da socialmente destrutiva rede social num dormitório universitário, viu sua empresa sofrer um golpe financeiro. Ao menos isso é o que se conta.
Nesta segunda-feira, o Facebook perdeu 50 bilhões de dólares em valor de mercado. Isso equivale a mil dólares para cada um dos 50 milhões de usuários da rede social que aparentemente tiveram seus dados pessoais apropriados – lidos, roubados e utilizados de forma indevida por alguma ferramenta de guerra psicológica – pela empresa britânica de análise de dados Cambridge Analytica.
E relatos afirmam que Zuckerberg sofreu um impacto pessoal de 6 bilhões de dólares no dia seguinte à revelação do abuso de dados de usuários. Coitado! Se eu me importo? Fala sério.
Não me importo nem mesmo com o fato de o Facebook ter implantado táticas de vigilância – a inveja de qualquer agência de espionagem – para aumentar seu poder de publicidade. Ou com o fato de que mais de 2 bilhões de usuários ativos mensais do Facebook escancaram suas vidas na rede. Por quê? Pois todos os usuários são cúmplices.
Assim como um dependente químico não pode culpar apenas o traficante, os usuários do Facebook não podem culpar apenas o Facebook. Cada violação de dados é iniciada no momento em que se faz o login online – mesmo protegido por uma rede virtual privada (VPN).
Sim, estou sendo presunçoso e tomando a posição de moralista aqui. Mas posso me dar ao luxo porque não uso o Facebook. Tenho uma conta apenas para acessar a rede social quando preciso verificar o conteúdo gerado por usuários para o trabalho. Mas, de qualquer forma, nunca entendi o apelo do Facebook – desde os primeiros dias em que colegas se esqueciam de voltar para o microfone para ler as notícias porque estavam demasiadamente ocupados atualizando seus status na rede social.
Há uma ressalva, porém: mesmo não sendo usuário, a presença do Facebook em minha vida é significativa, simplesmente por meio da difusão e persuasão da (des)inteligência coletiva que esta e outras redes sociais... criam (por falta de uma palavra que soe menos positiva).
Mas, em última instância, a violação da Cambridge Analytica não é o cerne da questão. Análise de big data, algoritmos e inteligência artificial não são necessários para conceber perfis assustadoramente realistas de pessoas em qualquer parte do mundo. Basta um par de olhos e um punhado de inteligência humana.
E esse é o ponto. Jogamos voluntariamente quase toda a inteligência humana numa aleatória lata de lixo da história e entregamos as chaves de nossos corações e mentes a um grupo de trapaceiros e fraudadores incrivelmente inteligentes – pois o que eles fazem é em grande parte dentro da lei (embora seja sua lei).
No entanto, ao mesmo tempo, esperamos que os governos desdentados controlem um mercado que se recusa a ser regulamentado. Às vezes, questiono se é mesmo do interesse dos governos regulamentar a indústria da tecnologia.
Para o seu crédito, os parlamentares do Reino Unido convocaram Zuckerberg para responder a perguntas sobre se o Facebook forneceu provas "enganosas" sobre o risco para os dados de seus usuários. Pressão? Bem, digamos que Zuckerberg irá agraciar Londres com sua presença. Mas o que o impede de fornecer mais evidências deturpadas? Afinal, enganar o público é algo que está incorporado ao design das mídias sociais.
Tente encontrar o botão "excluir conta" no Facebook – ou em muitos outros aplicativos – e entenderá o que quero dizer. Além disso, há precedência: olhemos para o escândalo fiscal da Amazon. Alguma intervenção governamental consertou isso? Dificilmente.
Então, caso você queira dominar o controle do Facebook sobre sua vida e seus dados pessoais, existe apenas uma maneira, e esta é encontrar o botão de "excluir conta". O portal americano de tecnologia The Verge publicou um artigo útil e aconselha o usuário a primeiro fazer o download de uma cópia dos dados da própria conta no Facebook.
A opção está em "Configurações", e será preciso clicar em "Baixar uma cópia" dos meus dados. Quando terminar, acesse este link para excluir sua conta para sempre: https://www.facebook.com/help/delete_account. Seja lá o que fizer, não acesse Facebook novamente ou sua conta pode ser reativada. Em vez disso, sente-se e reconecte-se com a versão antiga e analógica de você mesmo.
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