Num resultado surpreendentemente inequívoco, quase 60% dos franceses decidiram reeleger Emmanuel Macron. Acima de tudo, porém, eles colocaram no devido lugar a candidata radical de direita Marine Le Pen, com 41,5% dos votos. Mas ela vai permanecer, e com ela, as reivindicações pela saída da França da Otan e pela erosão da União Europeia.
Em junho, o Parlamento nacional será eleito e – depois de um terço dos votos terem ido para a extrema direita no primeiro turno da eleição, duas semanas atrás, e mais de 20% para o populista de esquerda Jean-Luc Mélenchon – está mais do que claro: os franceses querem que algo mude radicalmente.
Há muito a capital Paris, e com ela a classe política local, é pouco apreciada no país. Mas agora esse sentimento de "eles lá em cima, nós aqui embaixo" se manifesta na crítica à democracia propriamente dita. E isso é mais do que um sinal de advertência.
A imagem negativa da UE
Nos últimos anos, o partido A República em Marcha!, originalmente criado por Macron como movimento de coesão do centro, agravou o déficit de democracia, que foi ainda mais aprofundado em decorrência do enfraquecimento das alas políticas clássicas da esquerda socialista, por um lado, e dos conservadores, por outro. Macron e os seus terão que mudar isso, se é para evitar que a França caia no nacionalismo dos extremistas.
E isso tem muito a ver com a Europa, como um todo, e, acima de tudo, com a parceira mais importante, a Alemanha. Na França, a União Europeia é frequentemente percebida como um clube das grandes multinacionais, em vez de uma comunidade de proteção, tanto no sentido interno quanto externo. Nos últimos dois meses, a invasão da Ucrânia pela Rússia vem mostrando que muitos tinham razão com essa avaliação. Pois a guerra dos russos é também uma ofensiva à Europa livre e democrática.
Macron foi eleito cinco anos atrás com uma agenda clara de política pró-europeia, elaborada pelo jovem Clément Beaune, atualmente secretário de Estado para assuntos europeus no Ministério do Exterior. O político de 40 anos escreveu para Macron, apenas quatro anos mais velho do que ele, o que havia a fazer: integrar a UE de modo ainda mais profundo e torná-la mais democrática.
No entanto, até hoje não há em Bruxelas sequer a decisão majoritária em questões de política externa da UE. É absurdo: o amigo de Vladimir Putin Viktor Orbán, primeiro-ministro iliberal da Hungria, tem possibilidade de barrar decisões importantes com seu veto. Assim, enquanto a Rússia ameaça a democracia da Europa até com armas, os contribuintes da França e Alemanha continuam sustentando os maiores inimigos internos da UE. Isso é absurdo. Muitos franceses também são dessa opinião.
A caminho dos Estados Unidos da Europa
Por esse motivo, o resultado das urnas na França é, acima de tudo, também uma segunda chance para a Europa. E, mais ainda, para a Alemanha: há mais de cinco anos Macron pleiteia que se estabilize a União Europeia como bloco de poder no mundo entre os Estados Unidos e a China, com um forte elemento franco-alemão. Infelizmente a ex-chanceler federal alemã Angela Merkel não quis segui-lo.
O legado de Merkel para a política europeia é marcado por um balanço de integração catastrófico, comparado a antecessores como Helmut Kohl ou Helmut Schmidt. Ela descartou a reivindicação de Macron, de um entrelaçamento mais profundo de ambos os países, com uma morna renovação do Tratado do Eliseu, o Tratado de Aachen.
O atual governo em Berlim, formado pelos partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP), tem agora a possibilidade de corrigir esse erro. De modo inteligente, sobretudo os negociadores dos verdes integraram o fortalecimento da UE no tratado de coalizão. Não como antes o SPD, com um untuoso capítulo pró-europeu, mas com sugestões concretas em diversos setores políticos, o bloco deve avançar no sentido de formar os Estados Unidos da Europa. Essa é a questão, no momento. Desde a noite de domingo, a bola está no campo de Berlim.
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Frank Hofmann é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.