Opinião: De olho nas atividades de espionagem
13 de abril de 2016Os serviços estrangeiros de inteligência de países democráticos têm um problema fundamental: às vezes é preciso infringir a lei em prol do bem comum. Não apenas as leis dos países onde esses serviços operam, mas também as leis de seus próprios países.
Na maioria das vezes, isso é feito sob o contexto das chamadas "operações secretas". Seus objetivos e métodos regularmente violam as normas constitucionais. Quando detalhes de tais operações são divulgados, o resultado é uma reação negativa da imprensa.
Estamos falando de coisas como a sabotagem politicamente motivada, os assassinatos por encomenda e os golpes de Estado – todas ações desagradáveis, que pouco têm a ver com a espionagem clássica de obtenção e análise de informações. Serviços de inteligência que não estão sujeitos a países democráticos não têm problemas com a lei ou com a imprensa. Quando se trata de "operações secretas", eles não precisam de luvas de pelica.
O assassinato de Leon Trótski a mando de seu rival Josef Stalin durante o exílio no México, em 1940, é legendário. Durante a Guerra Fria, as operações secretas realmente floresceram: o órgão de espionagem soviético KGB e seus "serviços irmãos" no Leste Europeu lutaram para reprimir a oposição civil em vários países.
Nos últimos anos, governos fiéis a Moscou foram instalados mundo afora, e a morte de alguns contemporâneos inconvenientes foram orquestradas, como a do dissidente búlgaro Georgi Markov ("O golpe do guarda-chuva", em 1978, em Londres) e do agente duplo russo Alexander Litvinenko (envenenado por polônio em 2006, também em Londres).
A CIA – que, ao contrário da KGB, está sujeita ao Estado de direito – também conduziu operações secretas, como o golpe contra o primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh em 1953, a queda do presidente da Guatemela Jacobo Arbenz Guzmán em 1954 e a morte de Che Guevara na Bolívia em 1967. O número de tentativas de assassinato contra Fidel Castro é tão grande, que já foi discutida a inclusão desse fato no Livro Guinness dos Recordes.
Agora, é claro, o mais recente vazamento de dados, Panama Papers, nos faz lembrar do caso Irã-Contras: em 1986, a CIA facilitou o tráfico de armas ao Irã, que estava sujeito a um embargo internacional, em troca da libertação de reféns americanos no Líbano e do financiamento dos Contras nicaraguenses, insurgentes de oposição ao governo sandinista no país caribenho.
Esse caso específico ilustra bem as consequências do problema fundamental que enfrentam os serviços secretos de inteligência em países democráticos. Quando eles violam a lei com suas operações secretas, eles não podem ter agido sob ordens oficiais ou ter sido financiados com dinheiro público. De forma astuta, como assim são as operações secretas, eles encontram outras maneiras de financiamento.
Na elogiada nova minissérie da BBCThe night manager, baseada no romance homônimo de John Le Carré, a CIA e o MI6 se envolvem num comércio ilícito de armas para aumentar seus orçamentos. Trata-se apenas de literatura e televisão, mas o caso Irã-Contras e as afirmações dos investigadores do caso Panama Papers sobre um empresário islandês que usava empresas de fachada para permitir as entregas de armas da CIA em regiões críticas são baseados em fatos e documentos.
Serviços secretos que operam à margem do Estado de direito têm poucos escrúpulos quando se trata de se engajar em atividades lucrativas, como a venda de armas e de drogas, a subversão de embargos e o roubo de tecnologia. Tudo isso fazia parte do repertório da KGB, da Stasi e de outras organizações similares.
Essas experiências históricas fornecem uma importante lição para o futuro: serviços secretos de inteligência estrangeiros não podem jamais ser motivados por dinheiro. Especialmente nos dias de hoje, quando eles deveriam estar lutando contra a lavagem internacional de dinheiro e o financiamento do terrorismo.
Dados os recursos que essas organizações têm à disposição, o trabalho delas pode muito rapidamente deixar de ser pelo bem comum, para ser de interesse próprio. E nenhuma sociedade democrática precisa de espiões que trabalhem pelo próprio lucro, em missões não governamentais.
O jornalista Andreev Alexander é chefe da redação búlgara da DW.