Opinião: Crise de refugiados desestabiliza alemães
Os alemães são – provavelmente – românticos. Pelo menos eles estão desestabilizados, perplexos, inseguros sobre como lidar com 1 milhão de refugiados. De início, eles eram basicamente solícitos; agora se articulam com ira e rejeição. No momento a discussão política e social, se não é dominada pelo ódio, é raramente ou nunca objetiva.
A questão que se impõe – de como acolher, abastecer e integrar a longo prazo na Alemanha 1 milhão de pessoas – é mal respondida ou só de modo incipiente. Quem é a favor dos migrantes é visto como um alienado ingênuo ou um sonhador. Quem é contra eles logo vira ultradireitista ou neonazista. O discurso político descarrilou. Pior até: quase diariamente ocorrem atentados contra abrigos de refugiados. Já se somam mais de mil, um número assustador.
Sobre os refugiados, por outro lado, quase ninguém fala, desde que, na noite de réveillon, uma horda, principalmente de norte-africanos, assediou sexualmente e assaltou mulheres em Colônia, chegando a violentar algumas. Na ocasião, a polícia fracassou de forma deplorável, incapaz de defender a dignidade das vítimas.
A polícia tampouco foi capaz de defender a Catedral de Colônia, alvejada durante horas com fogos de artifício e morteiros. Ela não conseguiu impor respeito diante de um dos mais belos templos religiosos da Europa, nem diante do culto que lá se realizava. Aquele respeito e veneração que, aliás, se poderia esperar de qualquer refugiado do mundo.
Desde então está abalada a fé dos alemães, em si mesmos e em todos os refugiados. E desde então cresce dramaticamente a crítica à chanceler federal Angela Merkel. Por razões humanitárias e apoiada pela maioria dos alemães, ela abriu as fronteiras quando parecia que os migrantes iam ficar ilhados na Hungria.
Para tudo mais, contudo, Merkel não tinha nenhum plano. O fluxo migratório não estancou, e ela só repetia o seu mantra: garantir e defender as fronteiras externas da União Europeia, distribuir os refugiados pela UE, defender o Espaço de Schengen – ou seja, a abertura das fronteiras internas –, combater as causas do êxodo, cooperar com a Turquia. Em uma palavra: encontrar uma solução europeia – racional e moral.
O defeito é que, até agora, essa solução não existe. E a aprovação à premiê, na Alemanha e dentro de seu partido, vai se dissolvendo como a neve na primavera. Angela Merkel está só no palco da política, e também abandonada. Assim uma chefe de governo pode alcançar estatura histórica – e, ainda assim, despencar.
Esse fato tem dois desagradáveis efeitos colaterais políticos: a Europa está menos unida do que nunca, e, paralelamente, mais unida do que nunca contra a Alemanha e Merkel. E, também no país, uma força direitista, ultradireitista, às margens da sociedade, cresce e se transforma num fator político.
Isso poderá amainar, quando a crise dos refugiados for debelada. Mas a capacidade de resistência da UE, sua coesão, foi levada à beira da ruptura, e o fim da história é incerto. E há quem se pergunte: a união da Europa não passou de uma ideia para os tempos de vacas gordas? Seja como for, por toda parte triunfam o egoísmo nacional e a propensão à iniciativa isolada dos Estados.
Esse é um preço alto para um gesto humano de Merkel. E o preço vai ficar ainda mais alto se a noção de uma integração rápida se revelar como ilusão; quando se formarem sociedades paralelas; quando o choque de culturas – neste caso, com o islã, com as tradições do mundo islâmico – for mais violento do que todos desejam.
Muitos alemães pressentem e temem isso. Isso os excita, torna a discussão política feroz e agressiva. E os desestabiliza, pois muitas vezes eles sentem que a capacidade para análise racional, fria até, e para ação imparcial os abandona.
Como foi dito: muitas vezes os alemães são românticos.