O presidente Jair Bolsonaro parou de governar há muito tempo. Em três anos, sua gestão inaugurou alguns projetos locais de infraestrutura e flexibilizou normas sobre armamentos, provocando um forte aumento das compras de armas em um país já notoriamente violento. Fora disso, Bolsonaro representa a destruição da floresta amazônica, a gestão criminosa da pandemia que deixou até agora quase 600 mil mortos, a polarização da sociedade e os ataques mais graves à democracia do Brasil desde a Constituição de 1988.
Mas o que faz alguém que não tem nada a mostrar além de desastres? Sua aprovação nas pesquisas está caindo, pois os brasileiros estão sentindo na pele que a pobreza está crescendo, que os preços estão aumentando e que o real vale cada vez menos. A resposta de Bolsonaro é: procurar desculpas, desviar a atenção, mentir e culpar os outros.
Bolsonaro havia anunciado, com antecedência, que esse dia, o Dia da Independência do Brasil, seria o dia decisivo para ele e seu governo – e, indiretamente, ameaçou dar um golpe. Se um número grande de pessoas comparecesse, ele disse, seria um sinal claro de apoio do povo. E seria também um voto de desconfiança no Supremo Tribunal Federal, contra o qual ele está em conflito pois alguns ministros supostamente não o deixariam governar. Ele teria então um mandato das ruas, na sua interpretação, para ignorar o Supremo e o Congresso.
Bolsonaro não somente abusou do Dia da Independência do Brasil, que pertence a todos os brasileiros, mas também submeteu o Brasil a um teste de estresse por razões egomaníacas. O fato de milhares de brasileiros terem ido às ruas nesse feriado para pedir um golpe é insuperável como má ironia, e mostra o delírio coletivo que tomou conta do Brasil.
Para Bolsonaro, todo esse circo se trata, principalmente, de imagens e aparências. Assim como as "motociatas" sem sentido que ele vem organizando nas cidades do país há semanas – é realmente preciso se perguntar o que o presidente do Brasil faz com o seu tempo – as manifestações desta terça também foram realizadas para mostrar o suposto grande apoio do povo a Bolsonaro. Com base nas fotos de Bolsonaro no meio de milhares de apoiadores, ele pode afirmar, por exemplo, que as pesquisas com resultados negativos para ele são falsas, e que seu governo só perderá as eleições no ano que vem se houver fraude eleitoral.
Também é possível imaginar que essas manifestações se tornaram uma certa necessidade emocional para Bolsonaro. Quem não preferiria ser celebrado constantemente por seus apoiadores em vez de ler documentos e conduzir negociações difíceis, como faz a maioria dos outros chefes de governo no mundo.
O que é marcante em tudo isso é a compreensão distorcida do bolsonarismo sobre a democracia. Esse movimento a interpreta não como um equilíbrio entre os três Poderes, mas como a autocracia de Bolsonaro, ao qual tanto o Legislativo quanto o Judiciário teriam que se submeter. O próprio Bolsonaro ameaçou os ministros no Dia da Independência, que eles teriam que jogar dentro das quatro linhas da Constituição ou algo aconteceria – embora seja ele mesmo quem repetidamente se coloca fora do campo do jogo. Mas não é seu papel, de forma alguma, dar ultimatos a nenhum outro órgão constitucional. Pelo contrário, é o inverso. O presidente é fiscalizado pelo Judiciário e pelo Congresso. Dessa forma, ainda que tarde, um processo de impeachment deveria ser iniciado contra o presidente, pois há motivos mais do que suficientes.
É difícil avaliar o quão forte ainda é o bolsonarismo. O que é certo é que aqueles que ainda o apoiam são fanáticos. Como se fosse uma oração, eles repetem que são a favor de Deus, da nação e da família tradicional (e contra o comunismo, onde quer que ele esteja escondido). No Dia da Independência também ouviu-se a tríade bolsonarista de forma incessante. Deus, família, nação. Mas tanto Deus como família e nação não são projetos políticos, mas conceitos em aberto. A tragédia do Brasil é que eles foram sequestrados pelo bolsonarismo, que os utiliza para dividir a sociedade.
Isso ajuda o presidente a desviar a atenção da sua péssima performance e que ele realize seu verdadeiro objetivo: manter o poder e a proteção contra processos judiciais. Não se deve esquecer que o gatilho para a raiva de Bolsonaro foi a ação do Supremo contra políticos e youtubers que estavam incitando a violência. Além disso, o Judiciário está investigando os filhos de Bolsonaro por anos de corrupção, e as provas contra eles são avassaladoras. O próprio Bolsonaro também provavelmente será alvo do Ministério Público em algum momento. Pode-se assumir que suas constantes ameaças contra o Supremo são também uma tentativa de proteger seu clã político do Judiciário.
O presidente disse, literalmente, que é o salvador do Brasil enviado por Deus. Um presidente capaz de tais ilusões é também capaz de explorar o Dia da Independência em seu próprio benefício pessoal. O Brasil só pode esperar que Bolsonaro não cause mais danos ao país durante o resto do seu mandato. Ou que seja deposto o mais rápido possível.
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Philipp Lichterbeck é colunista e correspondente da DW no Brasil. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.