As noites de quinta-feira são importantíssimas para os britânicos fãs de política e viciados em televisão. Após o noticiário, as últimas horas do horário nobre são dedicadas pelo canal BBC1 ao talkshow Question Time, seguido pelo resumo semanal This Week. Ambos são o auge da programação semanal da televisão britânica quando se trata de política.
Pensando que esta seria uma semana mais importante que a maioria, cometi o erro de assistir aos dois programas ao vivo nesta quinta-feira. O que presenciei foi alguns dos aliados mais próximos de Donald Trump no Reino Unido partindo para a briga. Ao mesmo tempo, o tabloide mais vendido do país, The Sun, publicava uma entrevista, na qual o presidente americano criticava os planos da primeira-ministra Theresa May para o Brexit. Dizer que tais planos dificilmente seriam "fortes e estáveis" (lembram-se do agora cômico slogan eleitoral?) já seria um eufemismo, antes mesmo que Trump os regasse com gasolina e acendesse um fósforo.
O verdadeiro homem por trás do Brexit – esqueçamos conservadores como Boris Johnson e David Davis – ainda é o antigo e talvez futuro líder do Partido da Independência do Reino Unido (Ukip), Nigel Farage. É o homem que fez campanha com Trump nos Estados Unidos, num momento em que políticos como Johnson ainda descreviam o futuro presidente americano como "claramente fora de si".
Antes da chegada de Trump ao Reino Unido nesta semana, Farage havia dito a todos os que quisessem ouvir que o Partido Conservador havia deixado claras as regras quando negociou a visita: em hipótese alguma o presidente americano deveria se reunir com Farage. O governo não contestou tal afirmação, e, de fato, nenhuma reunião foi agendada. Mas Farage e Trump não precisaram de um encontro cara a cara: uma ofensiva midiática coordenada serviu muito melhor aos propósitos de ambos.
Três defensores de um hard Brexit partiram para a batalha midiática. O líder do grupo, Trump, levou a briga ao campeão de vendas The Sun. Ele rasgou os planos de May para o Brexit em pedaços, adotando todos os argumentos-chave de Farage: o acordo "não foi aquele pelo qual as pessoas votaram", acabou com as chance de um acordo comercial com os EUA (não que um já tivesse sido oferecido formalmente, ao menos não em público), e ignorou preocupações dos cidadãos com "mudanças culturais" iniciadas pelas políticas de imigração da União Europeia.
Rupert Murdoch, proprietário tanto do The Sun quanto da Fox News, recebeu exatamente a munição de que precisava para o seu tabloide pró-Brexit. Até mesmo jornalistas que trabalham para a publicação manifestaram surpresa com o quão longe Trump foi.
Para todos os que não leem o The Sun, dois defensores estabelecidos do Brexit que fazem parte do clube global de populistas de Trump – Farage e o ex-editor de jornal e vencedor do programa O Aprendiz Piers Morgan – passaram aquela mesma noite repetindo mensagens semelhantes na BBC.
Morgan participou do talk-show Question Time, lamentando os protestos contra a visita de Trump ao Reino Unido. Também discursou longamente sobre o Brexit, falando sobre como o plano de May não é satisfatório e como o Reino Unido precisa de um primeiro-ministro Brexiteer (pró-Brexit). Talvez tenha sido coincidência o fato de Trump ter dito ao Sun quão triste ele estava por ver o defensor do Brexit Boris Johnson deixar o governo – o qual, segundo Trump, seria um ótimo primeiro-ministro. Talvez.
Quanto a Farage, ele apareceu como convidado de honra no This Week, falou aos espectadores sobre os êxitos alcançados por Trump em seus primeiros 18 meses na presidência, sobre quão significativo é o fato de o novo governo da Itália parecer estar se entendendo com a Casa Branca, e como o Reino Unido está perdendo a chance de encontrar seu lugar na nova ordem mundial.
O programa This Week também é apresentado por um membro da velha guarda do jornalismo britânico, Andrew Neil, presidente da companhia dona do jornal The Daily Telegraph e da revista The Spectator. Esta apoiou o Brexit e já foi editada por um jovem e ambicioso jornalista chamado Boris Johnson. O The Daily Telegraph também apoiou a saída do Reino Unido da UE e já empregou um ainda mais jovem e ambicioso Johnson como correspondente em Bruxelas. Mas, mais uma vez, talvez se trate apenas de uma coincidência.
Apesar de todo o poder da presidência americana, já vimos evidências de que Trump só tem um impacto limitado nos gigantes EUA. Ele pode reclamar da Otan e talvez até impulsionar algumas mudanças, mas nunca poderia se retirar dela. No entanto, o novato na política e experiente promotor de si mesmo é mestre em usar o poder que tem, e em arremessar a granada certa no campo de batalha certo exatamente na hora errada. A já ferida May agora tem mais estilhaços dos quais se esquivar.
A próxima parada de Trump é Helsinque, onde se reunirá com o presidente russo, Vladimir Putin – meses depois de a Rússia supostamente ter envenenado o ex-espião Serguei Skripal em Salisbury. Trump, aliás, também defendeu explicitamente o encontro na entrevista ao The Sun.
_____________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube
| WhatsApp | App | Instagram | Newsletter