Opinião: A fuga de Bashir e o mito da democracia africana
"Omar al-Bashir foge da cúpula da UA", foi a frase que ocupou as manchetes internacionais em 16 de julho de 2013. Naquela época, há quase dois anos, o presidente do Sudão, procurado pelo Tribunal Penal Internacional, escapou de uma (improvável) prisão por parte das autoridades nigerianas, através de uma partida antecipada. O clamor, também em parte da África, foi grande, e o grito de protesto mais alto veio do governo sul-africano. Bashir teve uma ordem de prisão emitida contra ele devido ao genocídio na província sudanesa de Darfur. A África do Sul garantiu que deteria o político caso ele se atrevesse a entrar em território sul-africano.
Bashir se atreveu, ao ir à cúpula da União Africana (UA) em Johanesburgo. Mas nesta segunda-feira (16/06), ele voou de volta para Cartum, com o apoio ativo do governo sul-africano e desafiando um mandado do Supremo Tribunal da África do Sul, decolando de uma base militar perto da capital. Na Nigéria, assim como na África do Sul, grupos de direitos humanos haviam pedido sua prisão.
Não surpreende que o presidente do Sudão continue a explorar os limites da solidariedade africana. Nem que o governo da África do Sul o deixe escapar, afinal, no dia 5 de junho, a ministra do Exterior já havia garantido imunidade a todos os líderes participantes da cúpula da UA. E, como o governo da África do Sul não deixou passar nos últimos dois anos uma única oportunidade de se expor na arena internacional, este último acontecimento parece coerente. É um abandono de um curso pró- democracia rumo a uma aproximação com os membros dos BRICS Rússia e China.
O caso Bashir até veio a calhar para um ou outro estadista africano, incluindo o presidente sul-africano, Jacob Zuma, confrontado com severas críticas de seus colegas por causa dos ataques xenófobos a migrantes ocorridos em seu país. E a crise de refugiados também acabou, mais uma vez, virando um tema secundário na cúpula da UA. O problema preocupa os líderes europeus, mas não os políticos dos quais centenas de milhares de africanos fogem.
O incidente de Johanesburgo esconde diversas mensagens devastadoras. Tanto a África do Sul como a Nigéria, dois pesos pesados políticos e econômicos da África, desafiam abertamente o Tribunal Penal Internacional. Por sinal, a promotora-chefe do tribunal é uma africana e, por isso, pouco suspeita de estar promovendo uma caça às bruxas neocolonialista contra os africanos, como descrevem os ditadores africanos.
Os chefes de Estado de Burundi, Ruanda e República Democrática do Congo são três presidentes que ignoraram o encontro na África do Sul. Eles estão no terceiro mandato, que é inconstitucional e provoca a revolta de seu povo. E o fato de Paul Kagame, que rege Ruanda de forma autoritária, ter sido oficialmente nomeado por seu partido para um terceiro mandato precisamente no dia da cúpula pode também ser considerado um tapa na cara.
Inicialmente, a Alemanha havia apoiado fortemente o Tribunal Penal Internacional e o julgamento dos abusos contra os direitos humanos em Darfur. Mas Berlim tem emitido recentemente tons que chamam a atenção pela moderação em relação ao Sudão. E continua a ser um mistério como exatamente o país, que afirma querer assumir uma nova responsabilidade em relação à África, vai continuar lidando com isso nos setores de política externa, ajuda ao desenvolvimento e defesa.
Para quem ainda não percebeu, o mito do leão africano, saltando para um futuro democrático, com crescimento de dois dígitos, é apenas isso: um mito. Para o ano que vem, as previsões econômicas foram corrigidas para baixo, face à queda de preços no mercado internacional. Além disso, conflitos armados, como os na Somália e no Mali, causam ainda mais desequilíbrio. O fato de que um ex-general golpista seja festejado na Nigéria como um símbolo da esperança diz muito sobre a atual situação da África.
O velho ditador Robert Mugabe, que está em seu sétimo mandato no Zimbábue, chegou a querer dar lições de moral a seus colegas em Johanesburgo. Ele afirmou que, se o povo só deseja dois mandatos, os governantes têm que se curvar à vontade da nação e renunciar ao final do segundo.
Ou seja, a situação na África não é nada boa, mesmo sem o sudanês al-Bashir.