O simbolismo é uma coisa peculiar. Ainda mais quando o objeto em questão se tornou, em seus quase 31 anos de existência, ele próprio, um símbolo: trata-se da repartição federal, sem equivalente na história, em que, desde a queda pacífica da ditadura comunista da República Democrática Alemã (RDA), se preservam 111 quilômetros de relatórios de denunciantes a serviço do antigo Ministério de Segurança do Estado, conhecido popularmente como Stasi.
Acima de tudo, os documentos são livremente acessíveis, não só para as vítimas da polícia secreta do regime, mas também para pesquisadores e jornalistas. Mas neste 17 de junho de 2021 termina uma era para essa instituição, admirada em todo o mundo e tomada como exemplo por outros países com vivência de uma ditadura.
Nessa data de peso histórico (a mesma em que, no ano de 1953, ocorreu um levante popular na RDA, esmagado pela União Soviética), a repartição que abriga os documentos da Stasi será integrada ao Arquivo Federal da Alemanha. Assim decidiu o parlamento federal, contra ampla resistência, em parte veemente, sobretudo dos ativistas dos direitos civis da antiga Alemanha Oriental.
Monumento vivo
Os partidários dessa liquidação por motivos organizacionais rebatem tais críticas com a observação – correta e importante – de que os dossiês da ditadura comunista permanecerão abertos ao público.
Ainda assim, não deixa de ser uma diferença crucial se a herança envenenada da polícia secreta da RDA fica preservada numa repartição estatal conquistada especialmente para esse fim, ou se numa espécie de sub-repartição do Arquivo Federal alemão.
Do ponto de vista puramente formal, dossiês talvez não sejam mesmo mais do que isso: fichários. Então, por que fazer uma distinção entre os da Stasi e – para permanecer no mesmo gênero – os da Gestapo, a polícia secreta do Estado na época nazista?
Uma questão pertinente, cuja única resposta adequada foi dada com a fundação da repartição para os dossiês da Stasi: porque, com seus protestos pacíficos, em 1989-90, os cidadãos alemães-orientais forçaram a queda do regime comunista. Porque, com a invasão das centrais da Stasi, em Berlim e nos municípios da RDA, eles impediram a já iniciada destruição dos documentos.
Honrar, com a abertura do legado da Stasi ao público, esse ato de coragem civil, acompanhado pelo brado de "Meu dossiê me pertence!", foi mais do que simbolismo: era urgentemente necessário, a fim de fazer justiça para os milhões de vítimas da arbitrariedade e do abuso de poder, erguendo uma espécie de memorial vivo.
Escolha infeliz da data de encerramento
Por si só, a data de fundação do arquivo para os documentos da Stasi era de alto significado simbólico: 3 de outubro de 1990, o dia em que a Alemanha celebrava sua unidade estatal reconquistada. Muitos alemães-orientais teriam preferido uma outra data, o 17 de junho, em memória do levante popular da RDA. Na época, apenas oito anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, fracassou a primeira tentativa de reunificar o país dividido.
Na metade oeste, a República Federal da Alemanha (RFA), a data foi declarada feriado nacional. Um gesto bem intencionado da política, mas que, com o passar dos anos, perdeu sua força e significado, já que o estranhamento entre Leste e Oeste avançava. Para a maioria da população, o 17 de junho passou a ser apenas um dia de folga no meio da estação quente, em que políticos da RFA evocavam uma Unidade Alemã em que a maior parte deles já não mais acreditava.
Quando, em 1990, a unificação chegou inesperadamente, graças à coragem do povo da RDA, o feriado foi eliminado e substituído pelo 3 de outubro. Este dia, contudo, marca apenas um ato administrativo histórico, não a luta dos alemães por liberdade e autodeterminação.
Foi sem dúvida com boas intenções que se escolheu justamente o 17 de junho como dia em que a cortina desce sobre o arquivo da Stasi. Numerosos alemães do Leste, entretanto, interpretarão o fato e o guardarão na memória de modo totalmente diverso: como o dia em que o símbolo último de uma luta vitoriosa contra uma ditadura aparentemente ultrapoderosa foi anexado a uma outra repartição pública, através de uma reforma organizacional.
Também do ponto de vista do Oeste do país, a coisa pode ser vista assim. Para a controvertida liquidação desse departamento ímpar, qualquer data teria sido melhor do que o 17 de junho.
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Marcel Fürstenau é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.