Sob pressão, de repente tudo dá, num instantinho: os países da União Europeia querem se livrar o mais rápido possível das importações de petróleo e gás russas. Considerando que até agora 40% do gás natural importado pelo bloco tem vindo do país que invade a Ucrânia, logo se percebe a dimensão do desafio.
Aí entram em cena os Estados Unidos: no futuro, o país quer fornecer até um terço do gás que a UE até agora comprava dos russos. Já em 2022, deverão ser 15 milhões de metros cúbicos. Embora seja muito, isso não passa de um décimo do volume atualmente importado da Rússia. O gás americano deverá sobretudo contribuir para encher os reservatórios europeus, que estão no momento bastante vazios: há ameaça de gargalos, o mais tardar no próximo inverno europeu, que vai de dezembro a março.
A presença do presidente Joe Biden não só nas cúpulas da Otan de do G7, como também na da UE, assim como seu comprometimento para fornecer gás, fortalece as relações euro-americanas, que estavam duramente abaladas, sobretudo sob seu antecessor, Donald Trump.
Por outro lado, no caso do gás não se trata de generosidade: para os EUA é, acima de tudo, um bom negócio, pelo qual, ironicamente, o próprio Trump, tão malquisto na Europa, fez campanha por muito tempo.
Os EUA não serão o único país a aumentar suas exportações de gás para a Europa: a região quer diversificar suas fontes de abastecimento "na direção de fornecedores em que confiemos", segundo palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Não é hora de ficar escolhendo
Com democracia e direitos humanos, porém, essa transação nada tem a ver – basta considerar fornecedores de petróleo e gás como os Emirados Árabes Unidos ou o Catar, em cuja direção a Alemanha anda estendendo suas antenas.
Contudo também isso faz parte do grande despertar provocado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia. Em tempos de aperto, não se pode ficar escolhendo muito, a política para evitar os gasodutos russos tem seu preço.
O gás liquefeito, em geral, é mais caro, pois exige adaptações tecnológicas; é preciso construir estações de desembarque para navios-tanques; criar uma infraestrutura de transporte que até o momento só existe de forma precária na Europa.
Tudo isso custa bem mais do que o atual abastecimento pela Rússia. Com os custos adicionais, quem vai arcar é o consumidor, diretamente, ou o contribuinte, indiretamente.
Por último, há mais um sapo para se engolir: o gás americano é extraído principalmente por fraturamento hidráulico (fracking), um método proibido em diversas partes da Europa, por razões ambientais. Também isso caiu agora para segundo plano.
Morrer de frio não é solução
Para a Alemanha, o desafio é ainda maior do que para a média da UE, pois o país compra do império de Vladimir Putin por volta de 55% de seu gás, e metade das casas do país é aquecida com o combustível fóssil.
Também isso é fruto de anos de uma política comercial e externa com que primeiro o chanceler federal Gerhard Schröder e, depois dele, a democrata-cristã Angela Merkel tornaram a Alemanha extremamente dependente da Rússia.
Portanto, para os alemães o redirecionamento será ainda mais radical do que em outras partes do continente. A crer nas pesquisas de opinião, os cidadãos estão basicamente dispostos a se sacrificar por essa causa.
O que não pode é o ex-presidente alemão, Joachim Gauck, solicitar a seus compatriotas, num programa de televisão: "Podemos também, uma vez na vida, passar frio em nome da liberdade." Mais eficiência energética na calefação, como reivindica a UE, pode e deve ser a meta principal – lares congelantes, com certeza, não.
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Christoph Hasselbach. é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.