Operação da Polícia Federal mira mercado de carnes
17 de março de 2017A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira (17/03) a maior ação ostensiva de sua história. Mil e cem agentes da corporação cumprem 309 mandados – entre eles 27 de prisão preventiva – em sete estados. Batizada de Carne Fraca, a operação apura o pagamento de propinas para funcionários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e esquemas de adulteração de alimentos.
Na mira estão as maiores empresas do setor, como a JBS e a BRF, e mais três dezenas de frigoríficos menores. Os responsáveis pela operação, baseados em Curitiba, apontaram que as propinas envolveram políticos do PMDB e do PP – mas evitaram divulgar nomes.
"Dentro da investigação ficava bem claro que uma parte do dinheiro da propina era revertido para partido político. Já foi falado ao longo da investigação sobre dois partidos: PP e PMDB", disse o delegado Maurício Moscardi Grillo, que até mês passado coordenava a força-tarefa da Lava Jato.
As ações dos agentes ocorreram em São Paulo, no Distrito Federal, no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em Goiás. Os investigadores apontam que funcionários do MAPA recebiam propina para atuar em favor de frigoríficos. Ao todo, 20 funcionários públicos tiveram a prisão decretada.
Validade e putrefação
Algumas vezes a propina servia para que eles ignorassem violações sanitárias, como a venda de carne com data de validade vencida e uso de produtos químicos para adulterar os alimentos e a presença de materiais estranhos em carnes.
Um frigorífico menor de Curitiba, chamado Peccin, foi acusado de usar frango como substituto de carne bovina em diversos produtos e de usar substâncias cancerígenas em altas doses para maquiar o estado de putrefação das carnes. Segundo o delegado Grillo, parte dos alimentos adulterados foi fornecido para alunos de escolas públicas do Paraná.
"Inúmeras crianças de escolas públicas estaduais estão se alimentando de merendas compostas por produtos vencidos e estragados", disse.
Na decisão que expediu os mandados, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, disse que o caso é "estarrecedor". "O ministério foi tomado de assalto por um grupo de indivíduos que traem reiteradamente a obrigação de efetivamente servir à coletividade."
Políticos como alvo
Entre os presos pela operação estão pessoas que desempenhavam altos cargos em superintendências do MAPA, como Daniel Gonçalves Filho e Gil Bueno de Magalhães. O primeiro chefiou o órgão responsável pela fiscalização no Paraná entre 2007 e 2016. O segundo, desempenhava a função desde julho de 2016. Ambos foram apadrinhados por deputados paranaenses do PMDB e do PP, entre eles os atuais ministros Osmar Serraglio (Justiça) e Ricardo Barros (Saúde).
Serraglio apareceu em um dos grampos interceptados durante as investigações. Na ligação ocorrida antes do peemedebista assumir a pasta, ele discutiu a situação de um frigorífico em Iporã (no oeste do Paraná, a base eleitoral de Serraglio) com Gonçalves. Durante o diálogo, Serraglio manifesta preocupação com a situação do frigorífico, que corria o risco de ser autuado. Gonçalves disse ao peemedebista que iria averiguar o caso.
Segundo a PF, Serraglio por enquanto não está entre os investigados pela operação. Em nota, a assessoria do Ministério da Justiça tentou tirar dividendos políticos do caso, afirmando que a revelação mostra que o ministro não interferiu na ação da PF.
"Se havia alguma dúvida de que o ministro Osmar Serraglio, ao assumir o cargo, interferiria de alguma forma na autonomia do trabalho da Polícia Federal, esse é um exemplo cabal que fala por si só. O ministro soube hoje, como um cidadão igual a todos, que teve seu nome citado em uma investigação", disse o ministério.
Campanhas políticas
Além dos fiscais presos, três executivos da BRF (antiga Brasil Foods, que surgiu da fusão da Sadia com a Perdigão) e dois da JBS tiveram a prisão decretada. Segundo a PF, a BRF atuava junto ao MAPA para substituir fiscais que fossem rigorosos por membros "da banda podre" do ministério. A corporação afirma que a JBS agia da mesma forma.
As duas empresas são notórias doadoras de campanhas políticas. A JBS – que controla as marcas Friboi e Seara – foi promovida durante o governo Lula como "campeã nacional", junto com outras grandes empresas como Oi e Eletrobras, e recebeu bilhões de reais em empréstimos do BNDES.
Nas eleições 2014, a JBS foi a maior doadora do país, tendo gastado 366,8 milhões de reais em campanhas políticas. Dezesseis partidos receberam doações. A campanha à reeleição de Dilma Rousseff recebeu 73,4 milhões da empresa. Seu adversário no segundo turno, Aécio Neves (PSDB), recebeu 51 milhões de reais. A campanha de Serraglio também recebeu 200 mil reais indiretamente da JBS, via diretório nacional do PMDB.