“Operação Afeganistão é um fracasso”
4 de setembro de 2003O gabinete em Berlim discutiu na terça-feira (2/9) o plano de expandir a atuação do exército alemão no Afeganistão. Apesar de uma decisão formal neste sentido estar prevista para um momento posterior, ficou claro que o governo está realmente decidido a viabilizar a operação. Berlim só está à espera do aval do Conselho de Segurança da ONU sobre a ampliação do mandato para a força multilateral de proteção, ISAF. O plano do governo alemão é enviar 250 soldados para assegurar a reconstrução de Cunduz, cidade no norte do Afeganistão.
Cunduz é considerada uma cidade relativamente segura. Isto é um pressuposto fundamental para o governo alemão, que não pretende colocar em risco a vida dos soldados. Cunduz se localiza a 200 quilômetros de Cabul, às margens de um rio com o mesmo nome. A cidade fica a apenas 60 quilômetros da fronteira com o Tajiquistão, sendo também bastante próxima da base do exército alemão em Termez, no Usbequistão.
Localização vantajosa
Michael Lüders, especialista em Afeganistão da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata (SPD), sabe das vantagens da localização. “É relativamente perto de Cabul e as estradas são razoáveis. Além disso, é um lugar difícil de ser atacado.” Com isso, os riscos para a tropa são mínimos. Esta seria um dos principais motivos que levaram o governo alemão a escolher Cunduz como alvo de sua missão, comenta Lüders.
Por ser uma cidade de 120 mil habitantes e ponto de passagem de rotas comerciais (inclusive de contrabando), Cunduz também oferece vantagens em termos logísticos. Quanto às relações de poder, Cunduz está nas mãos de um dos homens mais poderosos do governo do presidente Hamid Karzai, havendo – portanto – pouca probabilidade de conflito político.
Apenas um instrumento?
“Cunduz está sob o controle do ministro afegão da Defesa, Fahimi.” – afirma Lüders – “Esta oferta vem a calhar, pois ele está tendo grandes problemas com seu vice, Rashid Dostum, nascido no Usbequistão e contra o domínio de Fahimi na cidade.”
Existiria, portanto, a possibilidade de o governo alemão ser instrumentalizado numa disputa interna de poder, avalia Michael Lüders, indagando – ao mesmo tempo – por que o governo alemão haveria de intervir numa cidade que já está sob controle do governo afegão. Na opinião do analista político, a planejada operação alemã dificilmente poderá contribuir para resolver problemas graves no Afeganistão: “Trata-se de um gesto simbólico, um sinal de apoio ao governo afegão.”
Oito mil soldados americanos
Grande parte do país é controlada por warlords, um fato que dificilmente vai ser mudado, nem com a luta contínua de aproximadamente oito mil soldados norte-americanos. O Talibã começou a se reorganizar, a rede terrorista Al Qaeda continua atuando e a plantação de ópio cresceu de forma dramática. Com o tráfico de entorpecentes os warlords financiam seus exércitos particulares.
Michael Lüders comenta que o país já foi dividido em áreas de domínio de líderes locais. “A atual situação do Afeganistão se assemelha àquela que existia antes de o Talibã tomar o poder, em 1992, com a meta de acabar com a anarquia e impunidade”, explica Lüders, ressaltando a ineficiência da missão internacional.
Cabul é uma cidade relativamente segura, onde o trabalho de reconstrução está avançando. No entanto, ressalva Lüders, seriam necessários mais milhares de soldados para apaziguar o país. A atividade de alguns colaboradores da reconstrução, apoiada por 250 soldados alemães, seria uma contribuição ínfima, critica o analista político.
Fracassado o projeto
“O exército alemão ou a ISAF não poderão resolver dilemas que cabem à política”, adverte Michael Lüders. O tratado de São Petersburgo criou um problema, colocando a minoria tajique acima da etnia maioritária pachtun. A questão é que só existe um único líder pachtun no governo, ou seja, o premiê Karzai. Entretanto, ele não passa de um prefeito de Cabul”, analisa Lüders.
O especialista da fundação social-democrata teme que a comunidade internacional tenha se contentado em garantir a segurança de Cabul e de algumas regiões no norte. “Não dá para se falar de uma democratização de todo o país e, a bem da verdade, a operação Afeganistão é um fracasso.”