ONU aprova resolução contra o racismo e a violência policial
19 de junho de 2020Em resposta à morte de George Floyd, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou nesta sexta-feira (19/06) uma resolução em que condena o racismo sistêmico e a violência policial contra a população negra, mas sem mencionar especificamente os Estados Unidos.
A medida foi adotada por consenso por seus 47 países-membros, durante uma reunião extraordinária convocada por 54 nações africanas para debater a discriminação racial e a brutalidade policial nos EUA.
O chamado foi motivado pelo homicídio de Floyd, homem negro morto em Minneapolis em 25 de maio após ter tido seu pescoço pressionado com o joelho por um policial durante vários minutos. A morte levou a protestos antirracismo em todo o mundo.
A versão inicial da resolução incluía críticas ao governo americano e estabelecia a criação de uma comissão internacional de inquérito para apurar o racismo sistêmico nos Estados Unidos e em outros países em situação semelhante.
Tais comissões costumam ser estabelecidas pela ONU no contexto de graves crises de direitos humanos num país, como o conflito na Síria, e para apurar possíveis crimes de guerra ou crimes contra a humanidade.
O texto original, contudo, acabou sendo esvaziado. A criação da comissão foi retirada do texto final, bem como menções diretas aos Estados Unidos. Isso se deveu aos posicionamentos do Brasil e de outros países aliados do presidente americano, Donald Trump.
Na quarta-feira, o governo brasileiro se posicionou contra o estabelecimento de uma comissão, argumentando que o problema do racismo não é exclusivo de uma região específica.
"É um flagelo profundamente enraizado em muitas partes do mundo, afetando grande parte da humanidade", afirmou a representante da missão permanente do Brasil junto à ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo, acrescentando que também é importante reconhecer o "papel indispensável" das forças policiais para garantir a segurança pública.
Os Estados Unidos, que se retiraram do Conselho de Direitos Humanos há dois anos, pressionaram por meio de aliados pela exclusão do termo. Com a falta de apoio de países de fora da África, as nações africanas acabaram convencidas por outros países a rebaixarem suas expectativas para poderem levar a proposta adiante.
Antes da aprovação da resolução, Burkina Faso, representando as nações africanas que patrocinaram a resolução, reconheceu que o grupo de países africanos fez "numerosas concessões" para "garantir o consenso" sobre o texto.
A decisão sobre a investigação deveria ser tomada já na quarta-feira, mas um grande número de países solicitou intervenções no debate, o que prolongou a sessão e obrigou a presidência a estendê-la até esta sexta-feira.
Em vez de uma investigação dedicada aos Estados Unidos por parte de um comitê independente, a resolução final fala em uma apuração internacional sobre o uso excessivo da força por agentes da lei contra negros.
O texto se limita a pedir à alta comissária de Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet, que prepare "um relatório sobre o racismo sistêmico, as violações do direito internacional em relação aos direitos humanos e os maus-tratos contra africanos e pessoas de descendência africana pelas forças de segurança".
O relatório deve, em particular, se referir aos "eventos que levaram à morte de George Floyd e de outros africanos e pessoas de origem africana, com o objetivo de ajudar a estabelecer responsabilidades e fazer justiça às vítimas", afirma a resolução.
Além de excluir críticas duras ao racismo nos EUA, o texto final também trocou algumas expressões, como "brutalidade policial", que foi substituída por "uso excessivo da força por agentes da lei".
Antes do início da reunião na quarta-feira, cerca de 20 altos funcionários das Nações Unidas de origem ou ascendência africana, incluindo o chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, assinaram pessoalmente uma declaração considerando que "a simples condenação de expressões e atos de racismo não é suficiente".
Organizações de direitos humanos, por sua vez, acusaram o governo em Washington de "intimidar" outros países para esvaziar a resolução, que poderia ter sido "histórica".
"Ao intimidar outros países para atenuar o que teria sido uma resolução histórica e isentá-los de qualquer investigação internacional, os Estados Unidos estão mais uma vez dando as costas às vítimas da violência policial e às pessoas negras", disse Jamil Dakwar, da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU).
"Não descansaremos até que os EUA sejam totalmente responsabilizados pela violência policial e o racismo estrutural", completou.
A missão dos Estados Unidos em Genebra não comentou imediatamente a decisão desta sexta-feira. Na quarta, o embaixador americano na ONU em Genebra, Andrew Bremberg, dissera que seu país não está "acima de um escrutínio" em questões de discriminação racial, mas que está implementando reformas.
Também na quarta-feira, na abertura dos debates, Bachelet denunciou, sem mencionar os EUA, a "violência racial, o racismo sistêmico e as práticas policiais discriminatórias da atualidade", que ela considerou um legado do comércio de escravos e do colonialismo.
Ela afirmou ser a favor de reparações de várias formas. Ao se referir a Floyd, Bachelet disse que "esse ato gratuito de brutalidade passou a simbolizar o racismo sistêmico, que prejudica milhões de pessoas de origem africana".
Presente no debate por meio de uma mensagem de vídeo, o irmão de George Floyd, Philonise Floyd, pediu às Nações Unidas que ajudassem os americanos negros com a criação da comissão independente de inquérito sobre a violência policial. "Vocês têm o poder de nos ajudar a obter justiça", afirmou.
EK/afp/ap/dpa/lusa/rtr
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