ONU alerta para possíveis crimes de guerra na Etiópia
13 de novembro de 2020A ONU alertou nesta sexta-feira (13/11) para possíveis crimes de guerra que estariam ocorrendo na Etiópia, após relatos de assassinatos de civis na região do Tigré, no norte do país, onde o governo federal lançou uma operação militar há dez dias.
O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed – ganhador do Prêmio Nobel da Paz no ano passado por um acordo de paz de 2018 com a Eritreia –, ordenou a operação na região dissidente, causando comoção na comunidade internacional, que teme que este seja o começo de uma grande e sangrenta guerra civil.
Centenas de pessoas foram mortas e milhares fugiram de combates e ataques aéreos no Tigré, cujos líderes regionais são acusados pelo governo de tentar desestabilizar o país.
A alta comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, pediu uma investigação abrangente sobre os relatos de um massacre na cidade de Mai-Kadra, denunciado pela Anistia Internacional. "Se for confirmado que foram causadas deliberadamente por uma das partes do conflito, essas mortes de civis certamente equivaleriam a crimes de guerra", disse Bachelet em nota.
Massacre
Segundo testemunhas, o massacre foi perpetrado pelos guerrilheiros da região dissidente do Tigré, da Frente de Libertação dos Povos do Tigré (TPLF, na sigla em inglês). Elas também destacaram que algumas vítimas são da região de Amhara, uma área com um longo histórico de tensões com o Tigré.
O premiê Abiy acusa a TPLF, que governa a região montanhosa com mais de 5 milhões de habitantes, de traição e terrorismo.
As tropas federais afirmam que sofreram ataques da TPLF na semana passada, mas que sobreviveram a um cerco e recapturaram o oeste da região. Com o corte de comunicações e a proibição de mídia no local, não houve condições de ser realizada uma avaliação independente da atual situação do conflito.
A TPLF diz que o governo de Abiy persegue membros da etnia tigré, expulsando-os de posições no governo desde que assumiu o cargo em abril de 2018, após uma gestão liderada pela TPLF. A entidade denomina a ofensiva de "invasão".
As tropas federais têm realizado ataques aéreos e há confrontos em terra desde quarta-feira da semana passada. Refugiados relataram bombardeios por jatos do governo, tiroteios nas ruas, assassinatos com facões e mortes de civis.
Milhares de milicianos Amhara haviam sido posicionados na fronteira com o Tigré para lutar ao lado das forças federais. O líder da TPLF, Debretsion Gebremichael, disse à agência de notícias AFP na sexta-feira que as acusações são "infundadas".
Já o primeiro-ministro afirma que sua operação militar é uma resposta aos ataques a dois campos militares federais pela TPLF.
As tensões entre Abiy e a TPLF aumentaram novamente em setembro quando, após as eleições nacionais serem suspensas devido ao coronavírus, a região avançou com suas próprias eleições, insistindo que Abiy era um líder ilegítimo.
Apelo
Na sexta-feira, Abiy Ahmed enviou uma mensagem à região, especialmente aos seus soldados, instando-os a "se levantarem" e ficarem ao lado do Exército nacional.
Michelle Bachelet advertiu que se o conflito continuar "há o risco de que a situação saia do controle, causando muitas vítimas e destruição, assim como deslocamentos massivos dentro da própria Etiópia e através das fronteiras".
É crescente a preocupação com a situação da população do Tigré, após a intensificação dos combates e diversos ataques aéreos.
Milhares de pessoas já cruzaram a fronteira com o vizinho Sudão. O líder do Tigré, Debretsion Gebremicha, disse, por sua vez, que centenas de milhares foram deslocados dentro da própria região. Ele também afirmou que civis foram mortos em ataques aéreos do governo na capital regional de Mekele, assim como na cidade de Adigrat, perto da fronteira com a Eritreia.
De acordo com a mídia etíope, um mandado de prisão foi emitido contra Debretsion e outros líderes da TPLF. O Sudão anunciou na quinta-feira que acolherá milhares de etíopes que cruzam a fronteira a pé, de bicicleta ou a bordo de barcos, no campo que nos anos 1980 acolhia as vítimas da fome.
MD/afp/rtr