Onde fica a China no conflito Rússia-Ucrânia?
3 de fevereiro de 2022O presidente da China, Xi Jinping, e o seu homólogo russo, Vladimir Putin, devem se encontrar pessoalmente nesta sexta-feira (04/02), durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim.
Este seria o primeiro encontro pessoal de Putin com o presidente chinês em dois anos – justamente num momento em que as relações chinesas e russas com a Europa e os Estados Unidos seguem num processo de deterioração.
O governo russo mantém cerca de 100 mil soldados ao longo de sua fronteira com a Ucrânia, os EUA e a Otan afirmam que há uma ameaça real de que a Rússia possa invadir o território ucraniano. E os holofotes mundiais alinhados à China devido aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 estão ofuscados por boicotes diplomáticos de vários países ocidentais, por violações de direitos humanos de Pequim e tensões geopolíticas com o Taiwan e no Mar da China Meridional.
"A visita de Putin à China, durante os Jogos Olímpicos, não só tem um forte significado simbólico de enviar uma mensagem de unidade e laços firmes entre os dois chefes de Estado, mas também serve para aumentar o peso diplomático global e melhorar a imagem internacional da China diante do crescente boicote por países ocidentais", disse Velina Tcharakova, chefe do Instituto Austríaco de Política Europeia e de Segurança (Aies), em entrevista à DW.
Nesta quinta-feira, a agência estatal chinesa de notícias Xinhua publicou uma carta assinada por Putin elogiando as "tradições centenárias de amizade e confiança" sino-russas.
O mandatário russo escreveu que a "parceria estratégica de coordenação" binacional entrou numa "nova era", atingindo um "nível sem precedentes" e se tornando um "modelo de eficiência, responsabilidade e aspiração para o futuro".
No decorrer do documento, o presidente lista diversos grandes planos para o futuro dos laços sino-russos, incluindo o desenvolvimento de parcerias econômicas e energéticas.
Posição de Pequim quanto a tensões na Ucrânia
A carta de Putin não mencionou especificamente questões estratégicas, e a China tradicionalmente mantém uma posição de neutralidade ao comentar sobre tensões fora de sua esfera de influência.
No entanto, num telefonema recente com o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, expôs a posição de Pequim sobre a ameaça contínua de conflito na Ucrânia.
Wang pediu que todas as partes "mantenham a calma" e se abstenham de fazer qualquer coisa que possa "agitar as tensões e elevar a crise". Wang frisou que as preocupações da Rússia "deveriam ser levadas a sério".
"Parece que, num confronto tão tenso, a China escolheu o lado russo e o fez abertamente, o que difere de sua abordagem tradicionalmente mais neutra em questões sensíveis", disse Danil Bochkov, membro do Conselho Russo de Assuntos Internacionais, em Moscou, em entrevista à DW. "Pode ser um sinal de uma relação mais confiável de ambos os Estados, semelhante a uma estrutura quase aliada."
Alguns dos sinais que indicam uma aliança de fato entre China e Rússia são as discussões binacionais sobre maneiras de desenvolver conjuntamente sistemas de pagamento internacional alternativos – uma plausível necessidade diante de possíveis sanções ocidentais.
Mesmo que a tarefa de evitar transações dominadas pelo dólar americano seja mais fácil na teoria do que na prática, Moscou e Pequim querem mostrar ao mundo que estão dispostos a trabalhar juntos. "Estamos expandindo consistentemente os acordos em moedas nacionais e criando mecanismos para compensar o impacto negativo das sanções unilaterais", escreveu Putin na carta.
"China e Rússia sinalizam que estão descontentes com a atual ordem internacional e que trabalharão juntas para reformulá-la", disse Theresa Fallon, diretora do Centro de Estudos para Rússia Europa Ásia (Creas), um think tank sediado em Bruxelas.
"A Rússia precisa de um aliado poderoso, devido a seu isolamento em relação ao Ocidente, enquanto a China precisa de um parceiro internacional confiável, com projeção de poder regional, para reforçar sua influência e seu peso geopolítico global", disse Tchakarova, do Aies.
Em sua carta prévia ao encontro, Putin afirma que os dois países "desempenham um importante papel estabilizador no desafiador ambiente internacional de hoje". Ele acrescentou que, embora estejam sob pressão internacional por desrespeitarem normas democráticas, ambos "promovem uma maior democracia no sistema de relações internacionais para torna-lo mais igualitário e inclusivo".
Estabilidade na Europa Oriental interessa à China
Apesar das observações do ministro do Exterior chinês Wang, indicando um apoio tácito da China aos interesses de segurança da Rússia, Pequim provavelmente preferiria a estabilidade na Europa Oriental. A nação asiática tem muitos vínculos comerciais com a Ucrânia, por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota (Nova Roda da Seda), além de investimentos na Europa Oriental, que podem ser prejudicados por conflitos evidentes.
"Não acho que a China ignore o fato de que, se houver uma crise na Ucrânia, ela sofrerá consequências maiores, e não é necessariamente do interesse de Pequim que isso aconteça", disse Zsuzsa Anna Ferenczy, pesquisadora e ex-conselheira política do Parlamento Europeu.
Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, na China, comentou à DW não haver indicação de que os chineses violariam sua doutrina de neutralidade para apoiar abertamente uma invasão russa na Ucrânia.
"A China não vai, de forma alguma, se opor publicamente à provável invasão russa na Ucrânia, mas tampouco a apoiará", disse o especialista. "Embora se oponha a quaisquer sanções ocidentais contra a Rússia, ela não fará nada diretamente pela Rússia, para contra-atacar as sanções."
Ruptura olímpica?
Em relação a uma suposta invasão russa na Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, especialistas afirmaram que uma das coisas mais importantes para Xi durante o diálogo com Putin será garantir que os Jogos não sejam ofuscados por um conflito armado na Europa.
"Ele quer ter certeza de que a crise na Ucrânia não se tornará um obstáculo para os Jogos Olímpicos de Inverno", assegurou Ferenczy.
De fato, Putin mencionou em sua carta que os boicotes diplomáticos aos Jogos Olímpicos de Inverno eram uma "tentativa de vários países de politizar o esporte para seus interesses egoístas".
O especialista chinês Shi também considera improvável o Kremlin iniciar uma invasão militar num período em que os Jogos estão prestes a começar na China: "Não acho que Putin lançaria uma invasão na Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, pois isso poderia envergonhar muito a China."