Onda de protestos no Equador se transforma em tsunami
8 de outubro de 2019"A situação atual" foi a razão que o presidente do Equador, Lenín Moreno, deu para o cancelamento de sua viagem à Alemanha, agendada para a segunda semana de outubro. Entre outros compromissos, ele planejava se encontrar com seu homólogo alemão, Frank-Walter Steinmeier.
Moreno quer "ficar de olho" no Equador, disse seu ministro do Exterior, José Valencia. Essa branda descrição do cancelamento, no entanto, contrasta com a situação tensa no país sul-americano, que deixa o presidente mais do que ocupado: protestos, barricadas, confrontos com forças de segurança e saques.
Lenín Moreno acusa o ex-presidente Rafael Correa de tentar um golpe de Estado no país: o político que presidiu o país entre 2007 e 2017 estaria por trás das tentativas de desestabilizar seu governo.
Na noite desta segunda-feira (07/10), diante da chegada de milhares de manifestantes à capital e do recrudescimento dos protestos, o presidente equatoriano ordenou que o palácio presidencial fosse evacuado e transferiu a sede do governo de Quito para Guayaquil. O balanço dos protestos no país já é de um morto, 14 feridos e mais de 470 detidos, segundo a ministra do Interior, Paula Romo. A maioria das detenções ocorreu por vandalismo.
Início dos protestos
Em 1º de outubro, o governo em Quito anunciou o fim dos subsídios de décadas aos combustíveis, o que levou a um aumento drástico dos preços da gasolina e do diesel. As transportadoras paralisaram rodovias em todo o país na quinta e sexta-feira. Em várias cidades, polícia e manifestantes protagonizaram confrontos violentos.
Na capital os manifestantes cercaram a sede do governo e bloquearam ruas. Diante dessa situação, Moreno decretou o estado de exceção, a vigorar por 30 dias. "Os protestos vêm de várias partes da sociedade, não apenas do setor de transportes, como informam muitos meios de comunicação nacionais", disse à DW Ximena Zapata, especialista em Equador do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), com sede em Hamburgo.
"Entre os que protestam estão donos de transportadoras, mas há também trabalhadores, organizações indígenas, ativistas ambientais e estudantes. As medidas do governo suscitam a rejeição de uma ampla camada da população equatoriana", acrescenta Zapata.
A eliminação dos subsídios aos combustíveis introduzidos nos anos 1970 faz parte de um pacote de reformas com o qual Moreno pretende combater a crise econômica. O governo equatoriano recebeu um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) no valor de 4,2 bilhões de dólares, sendo uma das condições ele reduzir os gastos públicos.
Emergência econômica
O país se encontra numa profunda crise econômica e o orçamento estatal está no vermelho. A questão dos subsídios aos combustíveis é central para o saneamento das finanças públicas – uma bomba política interna que os antecessores de Moreno à frente do Executivo não ousaram acionar.
O Equador possuía o terceiro menor preço da gasolina na América Latina. Porém após a eliminação dos subsídios no valor de cerca de 1,3 bilhão de dólares, os preços do petróleo e do diesel quase dobraram. Um galão (3,8 litros) de diesel, que custava 1,03 dólar, agora custa 2,30 dólares, enquanto o galão da gasolina comum passou de 1,85 dólar para 2,40 dólares.
O governo também anunciou que deixará a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em 1º de janeiro de 2020. Portanto não estará mais vinculado à decisão de reduzir a produção, estipulada pelo órgão. Mais exportações de petróleo podem trazer mais renda para o país. Pelo menos é esse o plano.
Com uma participação de 0,7% das reservas de petróleo entre os países da Opep, o Equador é um dos menores membros e único latino-americano na organização, além da Venezuela. Apesar de seu papel secundário no cenário global, a exportação do ouro negro desempenha um papel crucial na economia do país andino: é responsável por mais de um terço das exportações nacionais.
Mas as receitas estatais das exportações de petróleo não aumentam do nada, porque também dependem da capacidade da própria indústria. O aumento do consumo doméstico nos últimos anos reduziu a quantidade disponível para exportação.
O custo dos subsídios, portanto, reduz as receitas potenciais do Estado, e assim impede o saneamento das finanças de um país altamente endividado. Além disso, o baixo preço do petróleo no Equador também resulta num mercado de contrabando para o Peru e a Colômbia.
Queda desastrosa de popularidade
Ximena Zapata, do Instituto Giga, aponta os custos sociais e políticos de uma política orientada por critérios econômicos: "O que está acontecendo agora no Equador faz parte de um ciclo que se repetiu no passado: um boom de petróleo e matérias-primas, seguido por um boom econômico transitório e política nacionalista, o endividamento e queda dos preços das commodities, o retorno à antiga receita do FMI e, com ela, os protestos e revoltas sociais."
A aprovação do presidente Moreno caiu dos 70% que desfrutava quando foi eleito em 2017 para apenas 30%. Não é coincidência, diz Zapata: "A austeridade [econômica] de Moreno é impopular. Ela pune os setores mais pobres da população e privilegia minorias abastadas, especialmente bancos privados e empresários". Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (Inec) do Equador, 25% dos equatorianos vivem abaixo da linha de pobreza.
Zapata diz suspeitar que Moreno ainda esteja subestimando os protestos em seu país: "A população do Equador já foi vítima dos ajustes estruturais do FMI no passado. A reação poderia muito bem ser protestos mais maciços, como aqueles que governos anteriores não puderam evitar. Eu não acredito. que, a esse respeito, o governo de Moreno seja uma exceção."
Resta ver se o presidente Moreno levará a sério a intenção de "ficar de olho" em seu país, ou se até mesmo chegará ao extremo da literalidade: com apoio chinês, o Equador instalou em todo o seu território um sistema de vigilância com mais de 4.500 câmeras de vídeo. As imagens são exibidas ao vivo em 16 centros de controle com cerca de 3 mil funcionários. Um aparato de segurança perfeito para reagir aos protestos. Fabricado pela Huawei.
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