O ódio chega às ruas
11 de outubro de 2018As manifestações de ódio que se tornaram marca do debate político na esfera virtual chegaram às ruas do país. Um levantamento realizado pela Agência Pública em parceria com a Open Knowledge Brasil afirma que, nos últimos dez dias, houve ao menos 70 ataques, entre agressões e ameaças, em 18 estados e no Distrito Federal. Em 50 casos, as ações são atribuídas a apoiadores do candidato Jair Bolsonaro (PSL). Contra eles há seis registros, e outros 15 casos têm situação indefinida.
Embora o levantamento contabilize apenas os ataques desde 30 de setembro, houve uma intensificação expressiva das ocorrências a partir do primeiro turno da votação, no último domingo (07/10). Na madrugada após a confirmação do segundo turno entre Fernando Haddad (PT) e Bolsonaro, o mestre de capoeira Moa do Katendê foi assassinado com 12 facadas num bar de Salvador, por um apoiador de Bolsonaro, após manifestar preferência pelo PT.
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O caso gerou enorme comoção e revolta, até porque Moa do Katendê era uma pessoa muito conhecida e ativa nos círculos culturais locais. Nesta quarta-feira, o candidato do PSL foi questionado por jornalistas sobre o caso. "Será que a pergunta não tinha que ser invertida? Quem levou a facada fui eu. Um cara lá que tem uma camisa minha, comete lá um excesso, o que que eu tenho a ver com isso? Eu lamento", respondeu.
"Peço ao pessoal que não pratique isso. Mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam. Agora, a violência vem do outro lado, a intolerância vem do outro lado. Eu sou a prova – graças a Deus, viva – disso daí", afirmou.
Mais tarde, ele publicou em sua conta no Twitter que dispensa o voto de quem pratica violência e que repudia o nazismo.
Entre os casos dos últimos dias, chama atenção a proporção de ataques contra a comunidade LGBTI. Em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio de Janeiro, a cantora Julyanna Barbosa, que é transsexual, estava subindo uma passarela quando ouviu gritos de vendedores ambulantes direcionados a ela: "Bolsonaro vai ganhar para acabar com os veados, essa gente lixo tem que morrer", relatou.
Ao responder que merecia respeito, um dos homens começou a agredi-la com uma barra de ferro. Ele desferiu golpes na cabeça e no pescoço. Já no chão, recebeu chutes e socos de outros três homens. Socorrida por pessoas que passavam pelo local, ela levou dez pontos na cabeça e prestou depoimento numa delegacia.
O caso de Julyanna foi um dos 15 encaminhados ao Grupo Arco-Íris de Cidadania. Em entrevista à DW, o coordenador executivo da organização, Claudio Nascimento, relatou que a comunidade LGBTI está aterrorizada com os ataques e intimidações que vêm acontecendo. A orientação do grupo é para que evitem andar sozinhos, em horários de pouco movimento e só marquem encontros em aplicativos de paquera com a condição de compartilhar informações com amigos.
"A gente fala isso com dor no coração. Conquistamos duramente as liberdades individuais e estamos pedindo para as pessoas limitarem o exercício delas. Neste momento é preciso cautela para atravessar essa onda e conseguir superá-la, fazer o que a gente fazia nos anos 80 e 90. Estamos voltando no tempo, quando o Brasil havia conquistado algo tão importante no marco civilizatório", lamenta.
Nascimento conta que as ameaças ao direito de existência dos LGBTIs vinculadas à vitória do candidato do PSL são uma constante nas denúncias que chegam ao grupo. "No domingo, quando fui votar, três eleitores dele me xingaram. Com medo do que poderiam fazer comigo e com meu filho de 16 anos que estava comigo, fiquei calado", conta, emocionado.
"É uma situação que fere nosso direito de existência", diz. A gravidade do quadro motivou o Grupo Arco-Íris de Cidadania a apoiar um candidato à Presidência – Haddad – pela primeira vez em 25 anos.
Outro grupo que aparece em evidência como vítima dos ataques políticos recentes são as mulheres. Nesta quarta, a imagem de uma mulher com uma suástica riscada em sua pele ganhou as redes sociais. Segundo o relato de uma postagem, a jovem da foto caminhava no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, quando teria sido abordada e agredida por três homens não identificados que a atingiram com socos e usaram um canivete para desenhar o símbolo em sua barriga. Ela contou que usava uma camisa do movimento #EleNão.
Apesar da nítida vinculação da marca feita na pele da jovem ao nazismo, o delegado titular da 1ª Delegacia de Porto Alegre, Paulo Jardim, insistiu em outra leitura. "Não é uma suástica. Tenho absoluta convicção. O que temos é um símbolo milenar religioso budista. Símbolo de amor, paz e harmonia", disse, em entrevista à Rádio Gaúcha. A jovem desistiu de fazer uma representação criminal, afirmou a polícia, que ainda investiga o caso.
A pernambucana Érica Colaço também usou as redes sociais para expor as marcas de agressões no rosto e no braço de uma amiga vítima de ataque num bar do Recife no último domingo, quando usava um adesivo do candidato Ciro Gomes (PDT) e bottons da campanha #EleNão.
Os médicos tiveram de colocar uma placa em seu pulso, quebrado pelos agressores. No laudo médico constavam outras fraturas e diversos hematomas, inclusive no crânio. A vítima contou à amiga que só não foi morta porque os garçons do bar onde ela estava a puxaram para dentro da cozinha do estabelecimento. Depois de denunciar o ataque, Érica vem sofrendo ameaças nas redes.
Entre os seis ataques praticados contra eleitores de Bolsonaro está o caso do professor da Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB), preso no dia 5 de outubro por atropelar comerciantes que vendiam camisetas com alusões ao candidato do PSL. Bolsonaro foi vítima de um ataque a faca no dia 6 de setembro, enquanto fazia campanha em Minas Gerais. Adélio Bispo de Oliveira confessou o crime e está preso.
A campanha de Bolsonaro e apoiadores do candidato afirmam que os responsáveis pelos 50 casos registrados no levantamento da Agência Pública não representam o total de eleitores do capitão reformado do Exército. "As pessoas estão levando a política para o lado pessoal e se escondendo atrás de candidatos para disseminar o ódio. Acho as ameaças desumanas e não concordo com quem as faz", declarou uma apoiadora, Taís Pena, à DW.
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