O vilarejo que produz tudo de que precisa
8 de junho de 2016A primeira coisa que vai chamar a atenção quando alguém se aproximar do novo vilarejo nos arredores de Amsterdã é o vidro. Haverá muito dele, por todo lado. Ele estará ao redor de todas as casas, como uma cápsula protetora que fornece calor e abrigo. As unidades de produção de comida também terão uma cobertura de vidro, mas chamá-las de estufa seria pouco. Tudo isso porque o Regen Village pretende fazer o melhor uso possível de todos os recursos e ser totalmente autossuficiente, servindo de modelo para cidades do futuro.
A autonomia vai muito além de apenas gerar energia elétrica e calor, o que já tem sido alcançado com sucesso em vilarejos semelhantes. A pequena comunidade também vai alimentar a si mesma, cultivando toda a comida de que necessita dentro dos limites das paredes de vidro.
"Hoje gastamos 40% da superfície dos nossos continentes para a produção de comida", afirma Sinus Lynge, cofundador do escritório dinamarquês de arquitetura Effekt, que projetou o vilarejo. "A produção de comida é o maior emissor isolado de gases do efeito estufa, o maior causador de desmatamento e é responsável por 70% do consumo global de água doce. Transportamos nossa comida de um canto a outro do planeta para desperdiçar 30% da produção total antes de consumi-la", diz.
Integração inteligente
A construção do bairro Regen Village na Holanda deve começar entre junho e agosto deste ano e ser concluída em 2017. A ideia veio do empreendedor e construtor norte-americano James Ehrlich, que fundou a empresa Regen Villages para construir o novo vilarejo na Holanda e, talvez, outros como ele no futuro.
Foi Ehrlich quem contratou o Effekt para projetar o assentamento. "A Regen Villages está projetando e facilitando o desenvolvimento de vizinhanças off-grid, integradas e resilientes, que fornecem energia e alimentos para famílias mundo afora", disse o empresário. Off-grid são sistemas autossuficientes, que não dependem de infraestrutura remota para se manter, como rede elétrica.
A integração inteligente de todos os diversos aspectos da vida no bairro será crucial, e o sistema é complexo. Por exemplo, lixo doméstico deverá ser compostado ou transformado em biogás para gerar energia. Se for orgânico, deverá servir como alimento para insetos (entre outros usos). Por sua vez, os insetos são comidos por peixes, enquanto os resíduos de peixe se tornam fertilizantes naturais para plantas comestíveis em sistemas aquapônicos.
Aquaponia combina a aquicultura convencional – criação de organismos aquáticos como peixes e camarões em tanques – com a hidroponia, técnica que permite o cultivo de plantas em água. Esse processo simbiótico requer 98% menos espaço do que a agricultura tradicional e aproveita o lixo produzido no local.
Tecnologia a serviço da natureza
Há outros ciclos parecidos para a criação de rebanhos, captação de água, reciclagem, armazenamento e geração de energia por painéis solares e biogás.
Viver nesse novo vilarejo não significará, no entanto, uma existência ludita. Os moradores ainda serão capazes de ter uma vida confortável, com todas as comodidades modernas. Eles terão uma vida melhor em vários aspectos, já que contarão com comida produzida localmente e de alta qualidade, ressaltam os responsáveis pelo projeto.
"As Regen Villages são pura tecnologia aplicada", esclarece Lynge. "Estamos simplesmente aplicando o que já existe de tecnologia a um projeto integrado de comunidade." E os métodos de produção eficiente de comida têm outro efeito positivo: como o bairro não precisa de muita terra para plantar, as florestas e campos no entorno podem ser preservados.
Opção para viver no deserto?
Para Lynge, esse é apenas o começo. "Estamos lançando um protótipo em Almere, na Holanda, mas o grande potencial do projeto está em países em desenvolvimento, onde bilhões de pessoas estão deixando áreas rurais em busca de melhores condições de vida", aposta.
Depois de encarar os desafios do clima frio e úmido do norte da Europa, o escritório Effekt pretende desenvolver outro Regen Village, usando os mesmos conceitos de eficiência de recursos, mas adaptados para condições quentes e secas.
"Vamos buscar soluções para as áreas com clima mais árido", avisa Ehrlich. "A partir daí, teremos escala global para alcançar a Índia rural, a África subsaariana, que são locais onde sabemos que a população vai aumentar e ascender à classe média. Se todos na Índia e África quiserem ter o mesmo tipo de moradias que construímos até agora, o planeta não vai aguentar", alerta.
Ainda não há detalhes disponíveis sobre a aparência possível da primeira comunidade em um clima quente ou sobre quando e onde exatamente ela será construída. Arábia Saudita, Malásia, Índia e China são alguns candidatos.