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O senhor dos filmes

Rainer Traube / sv5 de fevereiro de 2004

O diretor do Festival de Cinema de Berlim, aberto nesta quinta-feira (05/02), fala sobre a cinematografia alemã, comenta as desavenças entre Berlim e Cannes e a importância de manter o festival recheado de estrelas.

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Dieter Kosslick: "vida no escuro"Foto: Internationale Filmfestspiele Berlin

DW-WORLD - O festival deste ano tem 400 filmes no programa. Quantos deles o senhor assistiu?

Dieter Kosslick - Assisti 330. Não deste contingente de 400 que faz parte do programa, mas dos 1100 enviados para a seleção do festival. Tivemos este ano um número absolutamente recorde de inscritos. Destes mais de 300 que vi, sobraram 26 na mostra oficial, sendo que 23 deles - oriundos de 18 países diferentes - concorrem ao Urso de Ouro.

Isso significa que o senhor viveu os últimos meses praticamente no escuro...

É, pois no cinema é assim, mas também é muito agradável não trabalhar durante todo o dia e ficar assistindo filmes. Não pense que é tão difícil...

O filme que abre o festival deste ano, 'Cold Mountain', de Anthony Minghella, é um clássico hollywoodiano: amor, história, guerra. Extremamente americano. Por que um filme como esse para abrir o festival?

Trata-se de uma co-produção romena-francesa-americana, com um diretor inglês. É uma história envolvendo os estados do norte e do sul dos EUA, com grandes guerras e grandes estrelas - Nicole Kidman, Jude Law. Pensei: mostramos este filme já logo no início, porque ele deixa o espectador um tanto quanto atordoado, mas uma coisa fica clara: a rejeição à guerra. E essa já foi nossa postura no ano anterior.

Ou seja, um filme com uma mensagem clara. No ano passado, o lema do festival já foi 'shoot films, not people'. Mas o senhor não precisa de filmes como esse simplesmente para trazer estrelas de Hollywood ao festival?

Trazer estrelas não é uma tarefa fácil, pois os atores e atrizes estão sempre circulando pelo mundo. Quando um longa é finalizado, as filmagens, na maioria das vezes, já se encerraram há mais de dois anos. E os atores, neste caso, já estão há muito participando de outros projetos, atuando em outros filmes.

O festival de Berlim, na condição de espetáculo de mídia - aqui estão 3500 jornalistas - precisa dessas estrelas. E o público também, que tem a oportunidade única de ver esses atores de perto, seja nas entradas solenes das sessões de cinema ou mesmo em um bar ou restaurante de Berlim.

Galerie Berlinale 2004 Cold Mountain USA 2003
Jude Law e o diretor de 'Cold Mountain', Anthony MinghellaFoto: Internationale Filmfestspiele Berlin

E este ano, quem vem então? Quais são os três primeiros nomes que lhe vêm à cabeça?

Os primeiros três... Jude Law, Jack Nicholson, Diane Keaton, mas também Juliette Binoche em um filme estupendo de John Boorman sobre uma comissão de investigação na África do Sul. Também Ethan Hawke e Julie Delphy...

Há na mostra competitiva dois longas alemães, mas nenhum promete o sucesso como o alcançado por 'Adeus, Lênin', que teve sua estréia mundial no festival do ano passado. Desta vez há filmes com uma linha mais séria, psicológica, social.

Nem sempre é possível ter os mesmos filmes dentro do festival. O último ano foi extremamente bem-sucedido para o cinema alemão: o Oscar de melhor filme estrangeiro para Lugar Nenhum na África, de Caroline Link; Adeus, Lênin como um dos filmes mais vistos. Foi também um ótimo negócio, do ponto de vista financeiro.

Eu tenho a impressão de que as pessoas só estão voltando ao normal aos poucos, depois disso. Este ano apresentamos uma cinematografia mais séria, mas isso é positivo para haver uma variação no leque de ofertas. Muitos destes 400 filmes do festival já têm bastante humor.

Há este ano em Berlim cerca de 60 contribuições alemãs. O nível dos filmes mostrados em 2003 será mantido?

Sim. Este não é, contudo, um fenômeno apenas alemão. Em todas as seções do festival, é possível notar a presença de filmes low budget, mas que são produzidos de uma forma extremamente profissional. Não se usa mais uma câmera na mão a qualquer preço, com a desculpa de que se trata de uma nova linha no cinema.

2004 é, em princípio, um ótimo ano sob este aspecto. Não é difícil encontrar no festival filmes que tentam contar uma história através de uma determinada estética, usando uma forma adequada, de maneira profissional e com a presença de bons atores. Esta é a verdadeira arte.

O festival de cinema de Veneza tem problemas enormes. Moritz de Hadeln, que dirigiu o festival de Berlim antes do senhor e agora está em Veneza, vem sendo pressionado pelo governo de Berlusconi a promover o cinema italiano. Qual é o grau de liberdade de Berlim em relação à seleção e às estratégias do festival?

Algo como o que acontece na Itália não funcionaria na Alemanha. Para mim, os filmes alemães são simplesmente uma contribuição essencial ao maior festival do país e um dos maiores do mundo. Ninguém precisa me pressionar ou me empurrar para que eu inclua esses filmes no festival. Isso eu já faço sozinho.

O festival de Cannes roubou de Berlim, este ano, três filmes no último minuto, entre estes um que entraria na mostra competitiva ('Diários da Motocicleta', de Walter Salles - N. da R.) . As relações entre Berlim e Cannes - os rivais na Europa - estão piorando?

É, alguma coisa deve ter acontecido para que os meus colegas franceses agora comecem a selecionar seus filmes a partir da escolha feita por Berlim. Nós sabemos que, no ano passado, a situação não foi muito fácil em Cannes e, obviamente, tenta-se conseguir os melhores filmes. Nós também tentamos e às vezes chegamos todos aos mesmos nomes.

Mas a história está encerrada, nós trocamos correspondências e falamos "boas verdades" um para o outro. Meu colega Thierry Freymont estará pontualmente em Berlim para o início do festival e iremos festejar juntos o cinema mundial.

E o senhor vai também a Cannes em maio?

Claro. Não vamos nos deixar levar por essa pequena desavença. Ele só tem que prestar atenção da próxima vez, pois não quero ter que acordar ainda mais cedo.