"O samba do crioulo doido" em Berlim
11 de abril de 2005Quase dois anos se passaram desde que a primeira edição do festival de dança brasileira contemporânea Brasil Move Berlim deixou a cidade quase sem fôlego. Naquele ano, a mídia alemã se esforçou em explicar cada gesto, cada passo dos artistas que o organizador Wagner Carvalho reunira no palco.
Mas os jornais logo perceberam que a tarefa não era nada fácil. Afinal, o mote do festival é justamente esse: mostrar que existe no Brasil – um país carregado de clichês e disponível para alemães em formato de brochuras de turismo – cenas alternativas de dança, com bailarinos de diferentes regiões e com substratos sociais distintos.
Segundo o Berliner Zeitung, "a cena brasileira de dança não é apenas mais viva que a alemã, ela é também muito mais política". É o que seis companhias de dança tentam comprovar de 8 a 17 de abril sobre três palcos da capital, acompanhadas por filmes, palestras e workshops. Ao todo, são cinco estréias européias e uma mundial: Skinnerbox, do grupo Cena 11.
Pina Bausch virou Carmen Miranda
No espetáculo de abertura – que reuniu solos de Wagner Schwartz e Luiz de Abreu, ambos premiados pelo programa Rumos Itaú Cultural Dança –, os berlinenses foram confrontados com uma forma de tratar a própria cultura que lhes pode ter parecido um tanto ousada.
De certa forma, o solo de Schwartz – mais uma performance que uma apresentação tradicional de dança – pode ter decepcionado puristas, mas mostrou enorme vitalidade em dialogar com as tradições da dança européia e brasileira. Em wagner ribot pina miranda xavier le schwartz transobjeto, Pina Bausch virou Carmen Miranda por 30 minutos.
Num gesto antropofágico, Schwartz misturou vinho francês e frutas típicas brasileiras até se embebedar, buscando o entorpecimento necessário para transformar signos culturais em passos de dança. Sua performance foi como um ato lingüístico, seu corpo, um casco carregado de signos.
Desconstruindo o samba
Nos 20 minutos de coreografia de Luiz de Abreu, a bandeira do Brasil não saiu de cartaz nem por um instante. Ela serviu de pano de fundo para seu samba desconstrutivo, suas contrações abdominais ao som da voz rouca de Elza Soares, que repetia incansavelmente que "a carne mais barata do mercado é a carne negra".
Em O samba do crioulo doido, Abreu questiona a transformação do corpo negro em objeto ao longo da história do Brasil. Nu, vestindo apenas botas prateadas até as coxas, ele desconstrói o corpo reificado da mulata. O que resta são fragmentos de estereótipos que realçam a resistência do negro na história: restos de uma imagem imposta, descomposta durante o processo de elaboração de sua identidade subjetiva.
Ao literalmente vestir a bandeira brasileira, símbolo de um país de brancos que lhe serve de vestido, cenário e adereço, Abreu como que se apodera da história que o condenou a mero objeto.
Estréia mundial
A apresentação do grupo sulista Cena 11, que na primeira edição colecionou aplausos com o espetáculo Violência, vem sendo aguardada com ansiedade. Desta vez, o grupo retornou com Skinnerbox, uma co-produção Brasil-Alemanha, mas que mantém as características que lhe garantem lugar de destaque na cena nacional: música eletrônica, computadores, projeções de vídeo e muita polêmica, embalados em uma estética cyberpunk.
Outros espetáculos são O Bagaço, dos mineiros da Companhia Balé de Rua, que trabalha com elementos de funk, hip hop e break, e Verissimilitude, do grupo Zikzira Teatro Físico, uma coreografia de quatro dançarinos baseada na história do canibal alemão Armin Meiwes, que, após cortar o pênis de um parceiro que conhecera pela Internet, esquartejou seu corpo e comeu parte da carne.
O espetáculo Falam as partes do todo? é um trabalho de 2003 da carioca Dani Lima, que pertenceu à Intrépida Trupe e agora dirige sua própria companhia, buscando renovar as artes circenses.