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O que se sabe sobre a transmissão da varíola dos macacos

Clare Roth
28 de julho de 2022

OMS declarou surto como emergência de saúde global, mas especialistas não sabem 100% como ocorre a transmissão da doença. Pesquisas apontam que maior parte das infecções ocorre durante contatos sexuais.

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Mão segura ampolas com rótulo "Bio-Alert"
Testes de PCR para varíola dos macacos sendo desenvolvidos em Seattle, EUAFoto: Karen Ducey/Getty Images

Mais de meio milhão celebraram em julho, nas ruas de Berlim, o Dia do Orgulho Gay – ou CSD (Christopher Street Day), como é chamado na Alemanha. O primeiro desfile desde o início da pandemia de covid-19 foi um dos maiores da história da cidade. A euforia era muito grande, e os participantes cantavam, dançavam, bebiam, se beijavam e se abraçavam.

Mas no final da tarde, quando alguns dos primeiros carros alegóricos cobertos de confetes chegaram ao Portão de Brandemburgo para começar as festividades da noite, os foliões receberam em seus celulares notificações que podem ter mudado todo o clima da festa: a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarara a varíola dos macacos  uma emergência de saúde global. 

É sabido que o vírus causador afeta predominantemente homens que fazem sexo com outros homens, e a conscientização sobre o surto não estava ausente no desfile do CSD de Berlim: alguns empunhavam cartazes exigindo que o governo alemão produza mais vacinas contra a infecção, outros distribuíam panfletos explicando os sintomas. e os organizadores do evento compartilharam um aviso em seu site.

Mas ninguém mencionou a varíola dos macacos quando os líderes do desfile se dirigiram à multidão, e os cartazes oferecendo beijos e abraços gratuitos superaram em muito os cartazes pedindo ações contra ou conscientização sobre a doença.

Autoridades de saúde pública e porta-vozes de organizações LGBTQ dos Estados Unidos e da Europa acharam difícil comunicar os riscos do vírus a homens que têm relações homossexuais sem estigmatizar quem estão tentando conscientizar.

Em alguns casos, isso resultou em mensagens no sentido de que o vírus pode afetar todos os membros da população. e que todos têm um risco semelhante de serem infectados. No entanto pesquisa publicada em 21 de julho de 2022 no New England Journal of Medicine mostra que 98% dos casos foram detectados em homens que praticam sexo com homens.

Pela marcada por varíola dos macacos
Em 2022 foram registrados 16 mil casos de varíola dos macacos em todo o mudnoFoto: Institute of Tropical Medicine/dpa/picture alliance

Varíola dos macacos é sexualmente transmissível?

Contudo a forma de comunicar quem corre mais risco de contrair varíola não é a única incerteza para cientistas e especialistas em saúde pública: eles tampouco sabem exatamente como a varíola dos macacos é transmitida.

O estudo do New England Journal of Medicine, que analisou as amostras de mais de 520 infecções em 16 países, de abril a junho de 2022, indica que em 95% dos casos o vírus foi transmitido através de "atividade sexual".

Porém "não há provas claras de transmissão sexual por meio de fluidos seminais ou vaginais" e a transmissão só é comprovada através de gotículas respiratórias maiores, contato próximo ou direto com lesões da pele e "possivelmente" por objetos contaminados, como tecidos ou utensílios de cozinha.

O que se sabe com certeza é que o vírus se propaga através do contato interpessoal muito próximo, de carícias e beijos ao contato genital. "A varíola é quase certamente transmitida sexualmente", confirma Paul Hunter, professor de proteção sanitária da britânica Norwich Medical School.

"Mas meu desconforto em rotulá-la como IST [infecção sexualmente transmissível] é que, para a maioria delas, usar preservativo ou evitar penetração ou contato oral-anal/oral-genital direto é uma boa maneira de impedir a transmissão. Para a varíola dos macacos, porém, até mesmo carinhos entre dois indivíduos despidos já são um grande risco."

Na opinião de Hunter, rotular a varíola dos macacos como uma IST "poderia funcionar contra o controle", se implicar que o público creia estar protegido contra o vírus usando preservativo ou se atendo a sexo não penetrativo.

Luka Cicin-Sain, pesquisador de imunologia viral do Centro Helmholtz de Pesquisa de Infecções, na Alemanha, concorda que rotular a varíola dos macacos como infecção ou doença sexualmente transmissível e focar nos preservativos como método de prevenção poderia "ser um tiro pela culatra como estratégia de contenção", pois ainda não está claro se o vírus é transmitido exclusivamente pelo sêmen ou também por contato próximo, gotículas de saliva ou contato pele com pele.

Embora o DNA viral tenha sido encontrado em amostras de sêmen no estudo, não havia nenhuma evidência de que o sêmen fosse infeccioso. "A situação é semelhante à covid-19, que também pode se espalhar por contato íntimo e beijo, mas não é considerada uma IST", explica Cicin-Sain.

Mãos enluvadas seguram caixas com ampola rotuladas "Reactivos en uso - Monkey pox"
Locais de teste para varíola dos macacos foram estabelecidos desde o início do surtoFoto: Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images

Contenção ainda é possível?

Alguns cientistas acreditam que a contenção ainda seja possível por meio de campanhas de vacinação imediatas. Com a transmissão mais ou menos focada exclusivamente numa comunidade, um programa de vacinação robusto ainda poderia proporcionar imunidade de rebanho, diz Hunter.

Um homem gay com varíola dos macacos infectará uma média de um a dois indivíduos, enquanto outros infectarão menos de um, segundo a OMS. "Portanto, precisaríamos vacinar apenas cerca de metade dos membros do grupo de alto risco para atingirmos a imunidade de rebanho."

O especialista sugere oferecer a vacina a qualquer um que se apresente a uma clínica de medicina sexual. Muitos dos atuais pacientes de varíola dos macacos também vivem com HIV, portanto já frequentam as clínicas regularmente, assim como usuários de redes de sexo altamente ativas, que também correm maior risco.

Hugh Adler, pesquisador da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, que trabalhou com pacientes de varíola dos macacos, espera que a declaração da OMS chame mais atenção para a necessidade de fornecimento de vacinas, e que o surto seja uma prioridade da política.

Mas é muito cedo dizer se isso vai acontecer: "Depende do grau de relevância e peso com que uma declaração da OMS seja percebida pelos governos, órgãos públicos e fabricantes e fornecedores de vacinas, bem como aqueles em risco de contrair varíola dos macacos, em todo o mundo."

Adler acrescenta que, com o aumento dos casos nos EUA e no Reino Unido e a falta de uma estratégia de vacinação adequada em muitos países, o risco de a infecção se estabelecer plenamente entre os homossexuais está crescendo.

Em 2022 mais de 16 mil casos já foram observados em todo o mundo, com cinco mortes, todas na África. Adler alerta que, embora os casos tenham sido leves na Europa, Reino Unido e EUA, esse não é o caso na África Ocidental e Central.

No Brasil, quase mil casos foram confirmados até o dia 27 de julho, a grande maioria no estado de São Paulo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou como "muito preocupante" a situação da doença no país, onde possivelmente há uma subnotificação de casos devido a testes insuficientes. 

Gerard Krause, chefe do Departamento de Epidemiologia do Centro Helmholtz de Pesquisa de Infecções se preocupa que a estigmatização dos portadores do vírus contenha a adoção da vacina entre as populações vulneráveis.

"Nesta fase será difícil evitar que a varíola se torne uma doença endêmica adicional entre os grupos de alto risco. Temo que o nível de estigmatização já seja muito alto. Isso afetará o acesso e a aceitabilidade das vacinas, bem como a notificação dos diagnósticos precoces e o monitoramento de contatos."