O que se pode aprender com o sono dos pássaros
29 de outubro de 2017Às vezes, os criadores de pombos podem ser de grande ajuda para a ciência. Por exemplo, no caso do alegre pombo-de-budapeste: com seus olhos enormes e pálpebras translúcidas, essa raça de pombo parece ter saído de uma história em quadrinhos.
Para pesquisadores do sono de pombos como Niels Rattenborg, do Instituto Max Planck de Ornitologia em Seewiesen, ao sul de Munique, essas aves são extremamente práticas: é possível observar suas grandes pupilas pretas através das pálpebras mesmo quando estão dormindo.
"Vemos como se movem os olhos e as pupilas, e queremos entender como esses movimentos estão relacionados com o que o animal vivenciou durante o dia."
Niels Rattenborg pesquisa o sono dos pássaros há mais de 20 anos. Não se trata necessariamente de uma área comum de pesquisa: no Google, quase todas as buscas sobre o assunto conduzem a Niels Rattenborg.
O americano de origem dinamarquesa chegou ao sono dos pássaros através de seu amor pelas aves e de um estágio num laboratório de sono (humano). A combinação de ambos resultou em questões de pesquisa totalmente inéditas: como os pássaros dormem realmente, e por que, em matéria de sono, eles conseguem realizar coisas que os humanos não podem?
Insônia no Alasca
Os pombos são verdadeiros dorminhocos, afirmou Rattenborg: "Em laboratório, eles dormem quase toda a noite e também tiram soneca na outra metade do dia." Se os pesquisadores os impedem de fazer a sesta, eles dormem mais intensamente na noite seguinte; assim como os humanos, essas aves precisam reabastecer as energias. "No entanto, não sabemos se elas dormem tanto na natureza", completou.
De fato, em seu habitat natural muitas espécies de aves não parecem ir muito longe com o sono: muitas vezes não há tempo para tal. Durante o período de acasalamento de três semanas, o maçarico-de-colete quase não dorme, permitindo-se, no máximo, uma hora diária de cochilo intenso.
A espécie vive na região do Ártico. Durante o acasalamento, os machos, que não têm nada a ver com a criação dos filhotes, procuram copular com o maior número possível de fêmeas. "Eles só precisam competir 24 horas por dia pelas fêmeas. E podem fazê-lo, porque durante o verão ártico o sol está praticamente o tempo todo no céu", explica o pesquisador.
Rattenborg e outros observadores de pássaros no Instituto Max Planck de Seewiesen confirmaram que essa corte de 24 horas vale a pena para os pássaros: "Os machos que menos dormem geram a maior quantidade de filhotes. Do ponto de vista evolutivo, eles se adaptaram extremamente bem." Nessa espécie, pouco sono é uma clara vantagem, e portanto conseguiu se impor na evolução.
Dormindo nos ares
Os pássaros de fragata são de fazer inveja aos humanos: quando estão no ar, pairando sobre o mar tropical com suas asas de mais de dois metros de envergadura, conseguem dormir meros 42 minutos por dia.
E para tal não precisam nem pousar em terra, pois dormem em voo. Eles também não poderiam pousar no mar, pois sua plumagem não é impermeável e ficaria embebida de água. Pássaros de fragata passam a maior parte de suas vidas acima do mar, caçando peixes e lulas.
Niels Rattenborg e Alexei Vyssotski, do Instituto de Neuroinformática da Universidade Técnica de Zurique (ETH), registraram dados sobre o comportamento de sono e de vigília dos animais em voo. E constataram: quando voam, os pássaros de fragata caem não somente em sono profundo, mas até mesmo em breves estágios de sono REM (rapid eye movement).
Durante o sono REM, a musculatura relaxa, a pressão sanguínea e o pulso aumentam, e o cérebro é tão ativo quanto em estado de vigília. Nos seres humanos, cada fase de sono REM dura até duas horas: os pássaros de fragatas se contentam com cinco segundos. Também não perdem completamente a tensão muscular, pois senão cairiam do céu. "Sua cabeça apenas se abaixa quando entram no sono REM, isso não afeta a sua capacidade de deslizar no ar" conta Rattenborg.
Todo o mundo tem que dormir – a questão é quanto
Um pássaro de fragata pode ficar até dez dias seguidos sobrevoando o mar, e durante todo esse temp, ele só dorme uma média de 42 minutos por dia. "Se tentássemos algo parecido, ficaríamos arrasados", diz o ornitólogo.
Todos os animais, incluindo os humanos, precisam dormir. Os pesquisadores ainda não sabem exatamente por quê. Eles suspeitam que durante o sono o cérebro reorganiza as sinapses e, assim, se regenera e processa a informação do dia.
Quanto um animal precisa dormir depende da espécie. Morcegos dormem até 20 horas por dia; girafas, só quatro horas. Já os humanos precisam em torno de oito horas de sono.
Os militares não são os únicos que dariam tudo para encontrar um meio de eliminar a necessidade de sono e, ao menos temporariamente, transformar seres humanos em maçaricos-de-colete. Mas até agora, tentativas nesse sentido fracassaram.
"Ainda não encontramos uma forma de poder dispensar o sono. E eu não acho que isso seria uma boa ideia para as pessoas." A evolução não previu essa capacidade para os humanos, que não precisam nem voar nem lutar por parceiros de acasalamento ininterruptamente, como certas espécies de aves.
Diversos animais, incluindo golfinhos e leões-marinhos, encontraram uma maneira de dormir e permanecer acordados ao mesmo tempo: eles dormem com apenas um hemisfério cerebral, enquanto o outro está em vigília. Entre os mamíferos marinhos, isso provavelmente é necessário para que não se afoguem.
Mesmo aves de fragata podem dormir durante o voo usando somente um lado do cérebro, comprovou recentemente Niels Rattenborg. Uma metade permanece acordada e um olho, aberto. "Provavelmente dessa forma eles observam os outros pássaros de fragata. Se todos dormissem completamente, poderiam colidir no ar – o que não seria nada bom."
Num grupo de patos, por sua vez, os pássaros à margem do bando ativam o chamado sono de metade do cérebro. Com um olho aberto, eles ficam atentos a possíveis predadores.
Tal capacidade não é totalmente vedada aos seres humanos: em 2016 uma equipe de pesquisadores dos EUA descobriu que nossos hemisférios cerebrais nem sempre dormem de forma igualmente profunda. Quando se passa uma noite num ambiente novo, num hotel, por exemplo, uma metade do cérebro fica mais atenta do que a outra. Na segunda noite no mesmo local, ambos os hemisférios dormem de forma igualmente profunda.
"Eu achei isso realmente excitante", observa Rattenborg, "pois mostra que nosso trabalho em patos contribuiu para elucidar um fenômeno do sono humano". Enfim: possivelmente as pessoas são mais parecidas com os pássaros do que pensam.
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