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PolíticaPolônia

O que está por trás das tensões entre Polônia e Ucrânia?

Jacek Lepiarz
22 de setembro de 2023

Desde o início da guerra, Polônia atuou como um dos aliados mais enérgicos da Ucrânia. Mas relacionamento vem apresentando fissuras. Economia e política interna influenciam retórica áspera de Varsóvia com ucranianos.

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Presidentes polonês Andrzej Duda e ucraniano Volodimir Zelenski em 9 de julho de 2023
Uma imagem de dias melhores: o presidente polonês Andrzej Duda (à esq.) e seu homólogo ucraniano. Volodimir Zelenski. em 9 de julho de 2023Foto: Ukrainian Presidential Press Service/REUTERS

O relacionamento entre a Polônia e a Ucrânia vem mostrando sinais de frição. O presidente da Polônia, Andrzej Duda, e o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, assim como outros representantes do campo do governo ultranacionalista polonês, passaram a se referir aos ucranianos numa linguagem dura, que costumava ser direcionada durante campanhas eleitorais apenas aos vilões tradicionais da direita polonesa: a Rússia e a Alemanha

Na quarta-feira (20/09), o presidente Duda comparou a Ucrânia a um "homem que está se afogando": "Uma pessoa que se afoga é extremamente perigosa, porque pode puxá-lo para as profundezas [...]. Ela pode simplesmente afogar o salvador."

Na noite do mesmo dia, o premiê da Polônia, Mateusz Morawiecki, anunciou que Varsóvia não pretendia mais fornecer armas para a Ucrânia e que, em vez disso, se concentraria na reconstrução de seus próprios arsenais.

"Teatro político"

As declarações foram dadas após o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, ter se queixado publicamente na véspera, na Assembleia Geral da ONU, sobre a decisão de alguns países europeus de proibir a importação de cereais produzidos por agricultores ucranianos. Zelenski classificou a medida como um "teatro político" e acusou alguns países europeus de mostrarem solidariedade em público, enquanto indiretamente tomam decisões que favorecem a Rússia.

O chefe de Estado não nomeou nenhum país específico. Mas em Varsóvia suas palavras foram entendidas como uma afronta à Polônia, como um dos países que baniram a importação de grãos ucranianos. Um encontro planejado em Nova York entre Duda e Zelenski acabou não se realizando "por questões de agenda". O Ministério das Relações Exteriores da Polônia convocou ainda seu embaixador da Ucrânia, num gesto de protesto diplomático.

Políticos do partido governista polonês, o ultranacionalista Lei e Justiça (PiS), também aproveitaram para incluir outro alvo favorito em suas queixas: os alemães, acusando Berlim de estar por trás dessas tensões. "A União Europeia está submetendo a Polônia a uma chantagem moral, e a Ucrânia está fazendo uma aliança com os alemães contra a Polônia", disse Jacek Saryusz-Wolski, um influente deputado do PiS, à emissora Polskie Radio24.

Por sua vez, o ministro da Agricultura polonês, Robert Telus, alertou que a agricultura ucraniana representa uma "ameaça", não apenas para os "Estados da linha de frente", mas para toda a Europa. "A Ucrânia não pode aderir à UE sem condições", enfatizou. Por sua vez, o líder do PiS, Jaroslaw Kaczynski, afirmou num comício eleitoral que a concorrência com os produtos agrícolas ucranianos "destruiria" a agricultura polonesa.

Protesto de agricultores poloneses contra importações de grãos da Ucrânia
Protesto de agricultores poloneses contra importações de grãos da UcrâniaFoto: Marcin Bielecki/PAP/picture alliance

Adeus à ajuda polonesa?

Todas essas declarações seriam impensáveis em 2022, quando a Ucrânia passou a travar uma luta pela sua sobrevivência frente aos invasores russos. Desde o início, a Polônia se posicionou como um dos aliados mais firmes dos ucranianos. A ajuda militar, financeira e humanitária que forneceu totaliza cerca de 4,27 bilhões de euros (R$ 22 bilhões) à Ucrânia, de acordo com um levantamento do Ukraine Support Tracker, que quantifica a ajuda prometida pelos governos a Kiev. Além disso, a Polônia acolheu cerca de 1,5 milhão de refugiados ucranianos,

Desde o início da invasão de Moscou, Varsóvia também desempenhou um papel fundamental no lobby junto a outros membros da UE e da Otan para o envio de mais armas à Ucrânia.

Mas questões de política interna e uma eleição crucial para o atual governo no horizonte acarretaram uma mudança de retórica e de ação por parte de Varsóvia.

"O PiS está sacrificando as relações com a Ucrânia", foi o comentário do jornalista e cientista político Bartosz Wielinski no jornal liberal Gazeta Wyborcza nesta quinta-feira. Num artigo, ele descreveu o que chamou de uma "política destrutiva que beira a traição". Em sua opinião, a disputa pelos grãos ucranianos é apenas um pretexto: "Na campanha eleitoral, o PiS não vai se deter diante de nada. Para mobilizar seus eleitores, Kaczynski, Morawiecki e Duda estão alimentando um conflito com o país vizinho e o sentimento antiucraniano."

Llíder do PiS, Jaroslaw Kaczynski
Llíder do PiS, nacionalista Jaroslaw Kaczynski, costuma inflamar eleitorado durante eleições com retórica direcionada contra países vizinhos da Polônia Foto: Pawel Malecki/AGENCJA WYBORCZA/REUTERS

PiS retorna à retórica anti-ucraniana

O PiS, que governa a Polônia há oito anos, apresenta-se numa situação eleitoral delicada, nas pesquisas para a eleição parlamentar de 15 de outubro. O partido arrisca perder votos cruciais para a legenda Confederação, um agrupamento nacionalista ainda mais à direita que o PiS, que usa abertamente slogans antiucranianos em sua campanha eleitoral. Para reconquistar esses eleitores, o PiS voltou às suas origens, abraçando uma antiga linha cética em relação à Ucrânia.

Os agricultores e a população rural representam um importante eleitorado para a direita polonesa. Esses grupos temem que seus meios de subsistência estejam ameaçados pelos grãos e outros produtos agrícolas baratos vindos da Ucrânia.

Esta foi forçada a recorrer a rotas terrestres alternativas para transportar seus cereais, depois que a Rússia encerrou unilateralmente um acordo que vinha permitindo navios carregados de grãos zarparem de portos do Mar Negro. Desde então, a rota se tornou arriscada demais para os exportadores ucranianos. Poloneses, húngaros e eslovacos argumentam que os grãos baratos da Ucrânia que cruzam suas fronteiras e deveriam estar seguindo para outros países, na prática estão sendo vendidos em seus territórios.

Passado que ainda assombra

Mas questões históricas também alimentam a retórica polonesa. O campo nacionalista de direita sempre encarou com ceticismo uma aproximação com a Ucrânia.

Eventos sangrentos no fim da Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos do pós-guerra ainda hoje lançam uma longa sombra no relacionamento entre os dois países. A  partir de 1943, nacionalistas do Exército Insurgente Ucraniano (UPA) atacaram e expulsaram os habitantes de aldeias polonesas na região de Volhynia, hoje território da Ucrânia.

A tentativa de limpeza étnica tinha como objetivo criar condições para a construção de uma nação ucraniana após a guerra. Segundo historiadores, cerca de 100 mil poloneses foram assassinados até o fim da guerra. Cerca de meio milhão fugiram ou foram expulsos. Entre 10 mil e 15 mil ucranianos morreram em ações de represália dos guerrilheiros poloneses.

O PiS mantém contatos estreitos com associações polonesas que representam descendentes de antigos habitantes expulsos de Volhynia. Somente a guerra de agressão russa contra a Ucrânia colocou os problemas de reconciliação com o passado em segundo plano – mas, pelo que parece agora, apenas temporariamente. 

Presidente ucraniano Volodimir Zelenski e seu homólogo polonês Andrzej Duda em Lutsk
Aproximação temporária: Zelenski e Duda em 9 de julho de 2023 em Lutsk, durante evento em memória do massacre de Volhynia na Segunda Guerra MundialFoto: Maxym Marusenko/NurPhoto/picture alliance

Kiev e Varsóvia podem voltar à razão?

O líder da oposição liberal polonesa, Donald Tusk, descreveu o novo conflito retórico entre os dois países como um "escândalo moral e geopolítico". Num comício eleitoral na cidade de Kalisz, ele falou de um "desprezível circo antiucraniano" que está sendo encenado pelo PiS.

Mas também há os primeiros sinais de distensão e indicações que o PiS só pretende fazer uso dessa retórica enquanto durar a campanha.

O presidente Duda suavizou algumas declarações do governo na quinta-feira, argumentando que a ameaça de Morawiecki de parar de fornecer armas a Kiev foi "interpretada da pior maneira possível".

"Na minha opinião, o primeiro-ministro quis dizer que [a Polônia] não transferirá para a Ucrânia o novo armamento que estamos comprando atualmente à medida que modernizamos o exército polonês", disse à TVN24.

"Quando recebermos o novo armamento dos EUA e da Coreia do Sul, liberaremos o armamento atualmente usado pelo exército polonês. Talvez o transfiramos para a Ucrânia", acrescentou Duda. Recentemente Varsóvia assinou vários contratos de compras de armas.

Presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em 20 de setembro de 2023, durante Assembleia Geral da ONU, em Nova York
Zelenski em 20 de setembro de 2023, durante Assembleia Geral da ONU, em Nova YorkFoto: Craig Ruttle/AP Photo/picture alliance

Marta Prochwicz-Jazowska, analista do escritório de Varsóvia do think tank German Marshall, afirma não ser do interesse nacional polonês interromper o fornecimento de armas à Ucrânia.

"As observações do primeiro-ministro indicam principalmente que ele está interessado em se concentrar em reabastecer o suprimento interno de armas do país, porque a Polônia não tem mais os recursos e precisa de um grande processo, que levará muito tempo."

"Há também uma eleição nacional se aproximando. Portanto, não há dúvida de que o primeiro-ministro, ao aparecer na televisão, estava fazendo campanha para sua própria base eleitoral. A campanha tem sido extremamente suja. e os políticos, incluindo o partido governista PiS, estão usando os agricultores poloneses para angariar votos, dizendo abertamente que a prioridade número um é o setor agrário. Mas acho que isso sairá de cena até mesmo para o partido governista após o fim da campanha eleitoral", prevê Prochwicz-Jazowsk..

Os ministros da Agricultura de ambos os países conversaram ao telefone na quinta-feira, informou a agência de notícias polonesa PAP. O embaixador ucraniano Vasyl Zvarych também tentou fazer as pazes. "Essa foi uma boa oportunidade para trocar pontos de vista. Não há crise. Estamos seguindo em frente", explicou o diplomata.