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O que acontece com os russos que não querem lutar na Ucrânia

Sergey Satanovskiy
3 de agosto de 2022

Denúncia lista prisões ilegais, agressões físicas e tortura psicológica contra "desobedientes”. Na Rússia, é crime divulgar informações sobre esses casos e demandar publicamente a soltura desses militares

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Soldado de elite das tropas russas em ação na Ucrânia
Soldado de elite das tropas russas em ação na UcrâniaFoto: Russian Defense Ministry Press/AP Photo/picture alliance

Militares russos têm se recusado com frequência cada vez maior a participar da chamada "operação especial”, eufemismo que a Rússia usa para se referir à guerra de agressão contra a Ucrânia. Por esse motivo, soldados que não querem mais participar da guerra ou que pedem férias para encontrar suas famílias têm sido proibidos de deixar a zona de conflito.

Os "desobedientes”, como são chamados os que não querem mais lutar, são mantidos em prisões e acampamentos em Lugansk, região no leste da Ucrânia que é controlada por separatistas desde 2014.

A situação foi relatada por parentes de combatentes e ativistas dos direitos humanos à DW.

Há casos de pais e mães de soldados russos que viajaram até a cidade de Brianka, dentro de Lugansk, para tentar negociar a libertação de seus filhos. Em silêncio, eles fazem vigias do raiar do dia até o cair da noite em frente a um acampamento onde, segundo informações veiculadas pela imprensa, estão detidos cerca de 200 "desobedientes”.

Caso denunciado à Procuradoria-Geral

Segundo denúncias formalizadas por membros do Conselho de Direitos Humanos russo à Procuradoria-Geral do país, também há soldados detidos em outras quatro localidades ucranianas sob domínio do exército russo: Popasna, Alchewsk, Stakhanov e Krasnyi Luch.

A DW teve acesso aos documentos, que baseiam-se em depoimentos de parentes de seis soldados "desobedientes” presos nessas quatro cidades e em um front de batalha em Svitlodarsk. O comando militar não teria permitido a essas pessoas que retornassem a suas casernas na Rússia.

Entre os autores da denúncia à Procuradoria-Geral estão o cineasta Alexander Sokurov, que em 2011 foi homenageado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza, e o jornalista Nikolai Swanidse. De acordo com o documento, os soldados se queixam das más condições em que estão detidos e acusam seus superiores militares de tortura psicológica.

"Trata-se aqui de crimes contra membros das Forças Armadas, prisões ilegais, tortura e tratamento desumano”, consta de trecho da denúncia. Parentes teriam relatado ainda agressões físicas contra os detidos.

Soldados presos em trincheiras

O ativista de direitos humanos e coordenador da ONG "Grazhdanin i armija" (trad. livre: Cidadãos e Forças Armadas), Sergej Krivenko, afirmou à DW que as condições em que se encontram esses soldados "desobedientes” dependem de onde eles estão detidos.

"No início de julho, os relatos eram de que eles estariam presos em trincheiras”, informa Krivenko.

Um parente de um soldado em Brianka, que por razões de segurança prefere manter-se anônimo, contou à DW receber ligações frequentes do filho, e que este aparentemente usa uma linha telefônica comum, à qual recorrem outros soldados para se comunicar com suas famílias. Ele afirmou ainda que esses soldados são levados de manhã para o "trabalho” – não está claro de que tipo.

Segundo Krivenko, um preso conseguiu fugir do cárcere em Brianka e chegou até a Rússia. "Se um soldado regressa à caserna onde está lotado dentro de um prazo de dez dias, não é considerado um caso de deserção”, explica.

Rússia pressiona por regresso ao front

Devido à pressão que têm sofrido, alguns militares voltaram atrás em suas decisões de não combater mais na Ucrânia e retornaram às suas antigas posições de combate. É o que afirmam à DW pais de um soldado preso em Brianka. Eles também desejam permanecer no anonimato por temerem pelo bem-estar do filho.

"Primeiro os soldados falaram que não voltariam à guerra de jeito nenhum. De repente, ficamos sabendo que eles estão indo para o front – e sem informar os pais disso.”

Na Rússia, é crime divulgar informações sobre soldados impedidos de deixar a Ucrânia e demandar publicamente a libertação de "desobedientes” mantidos presos. A DW conhece o caso de um homem cujos pais procuraram jornalistas e que, por isso, teve o pedido de férias recusado pelos seus superiores militares. É por esse motivo que todos os parentes de soldados presos contatados pela reportagem não querem revelar suas identidades.

Segundo uma dessas pessoas, o governo russo tenta engrossar as fileiras do front com promessas de "boas condições de serviço”.

A outra estratégia é ameaçar com processos criminais, informa Alexandra Garmaschapova, da Free Buryatia Foundation (trad. livre: Fundação Buriácia Livre), ONG baseada nos Estados Unidos criada em março de 2022 em reação à invasão da Ucrânia. Por trás da entidade estão cidadãs e cidadãos da Buriácia, divisão federal da Rússia localizada na Ásia, que se engajam por eleições livres no território.

Prisões "violam leis russas”

No início de julho, a Free Buryatia Foundation afirmou que cerca de 500 soldados da Buriácia teriam se negado a lutar na Ucrânia e queriam regressar às suas casas. O número seria ainda maior segundo informações do jornal "Verstka", que está sob censura das autoridades russas: 1.793 combatentes.

Relatos dão conta de que soldados têm se recusado a participar do conflito desde o final de março, segundo Krivenko, quando ocorreram as primeiras retiradas de tropas nas imediações de Kiev. Esses militares teriam buscado em seguida contato com defensores de direitos humanos, com o objetivo de rescindir seus contratos de trabalho com as Forças Armadas russas.

De acordo com Krivenko, o número de casos de militares "desobedientes” tem crescido. Ele critica as prisões. "É uma violação grave das leis russas. Um soldado não pode ser detido e mantido preso sem julgamento. Só um tribunal russo, em território russo, pode julgar esses casos”, afirma.

Texto originalmente publicado em russo e adaptado por Markian Ostaptschuk.