O projeto da França para humanizar prisões
3 de maio de 2018"Sempre gostei de cultivar a terra, amo qualquer coisa que tenha a ver com ela", diz o presidiário Jean-Claude. "Ter um jardim e cuidar de plantas, isso é que é vida para mim."
O pequeno terreno que ele cultiva não fica numa fazenda, mas nos vastos campos da penitenciária de Eysses, nos arredores da cidade medieval de Villeneuve-sur-Lot, no sul da França.
A prisão está implementando uma iniciativa que, de certa forma, serve de piloto para os planos do governo Emmanuel Macron de reformar o sistema carcerário do país, dono de uma das maiores taxas de ocupação da Europa.
"Cada prisioneiro tem seus direitos e suas obrigações", diz Philippe Sperandio, diretor do presídio, que descreve parte das regras do programa, o Respect (respeito), iniciado naquela prisão há um ano. "Verificamos uma queda na violência entre os presos e há menos infrações."
Anunciada em março por Macron a reforma visa oferecer alternativas para o oneroso sistema de prisão 24 horas por dia, sete dias por semana. Em alguns casos, a reforma deve trocar sentenças curtas por opções como tornozeleira eletrônica.
Mas também há planos para construir 7 mil celas adicionais nos próximos quatro anos, de modo a aliviar a superlotação, além do reforço de programas de liberdade condicional e reinserção.
A França tem uma população carcerária que aumentou de 48 mil em 2001 para os quase 70 mil atuais. O nível de ocupação nas cadeias é de 115%, o quarto mais alto da União Europeia, atrás apenas de Hungria, Chipre e Romênia. Além disso, uma prolongada greve de carcereiros no início deste ano intensificou a pressão por uma rápida ação do governo.
"As sentenças devem ser críveis e compreensíveis, não necessariamente no sentido de serem as mais severas possíveis", disse Macron em um discurso realizado a pouca distância de Eysses, quando ele classificou as novas medidas como "tudo menos laxismo".
As críticas logo vieram. Alguns denunciam as medidas como demasiado brandas para os criminosos; outros sugerem que elas não vão longe o suficiente para lidar com o crescimento do radicalismo nas cadeias francesas.
Uma sondagem divulgada no mês passado revelou que metade dos franceses é a favor de menos liberdade e condições mais duras para os presos.
"Uma grande parte da população vê a prisão como um lugar que é sinônimo de sofrimento e punição", disse à rádio francesa Chloe Morin, da Fundação Jaures, organização com sede em Paris que ajudou a custear a pesquisa.
Mais responsabilidade aos prisioneiros
Outros elogiam experimentos como o que está em andamento na Eysses, baseado em um modelo espanhol chamado "Respecto".
"Em vez de tratar prisioneiros como crianças, o Respect os torna responsáveis", diz Jean Luc, que passou quase três décadas atrás das grades e que esteve entre os primeiros detentos do Eysses a se inscreverem no projeto-piloto. "Eu prefiro passar oito horas por dia com as mãos na terra do que na cama sob os efeitos de alguma medicação."
As 18 prisões que lançaram o projeto desde 2015 também relatam uma queda nas taxas de suicídio. Outras 20 devem se unir ao experimento nos próximos dois anos.
O projeto é executado em apenas uma ala do Eysses, e é grande a competição para entrar no programa. Os internos passam 25 horas semanais trabalhando ou participando de atividades educacionais e relacionadas à saúde. Eles também têm chaves para suas próprias celas, um poderoso símbolo de liberdade limitada – mesmo que os guardas tenham as cópias.
O diretor de Eysses conta que um veterano que deixava a cadeia lhe disse que nunca havia vivido nada parecido antes. "Isso ajudará a garantir que ele não volte? Eu não sei", acrescenta. "Mas ele vê as coisas de maneira diferente. Ele sabe o que perdeu."
O projeto-piloto também ajudou a construir melhores relações entre prisioneiros e funcionários do presídio. "Eu raramente sou confrontado com violência, estamos muito mais relaxados", relata o guarda Carole Cerjak, que passou parte de uma tarde jogando bocha com vários presos. "Você vê um prisioneiro vindo para cá, e uma semana depois, ele está completamente diferente."
Avanço ou retrocesso ?
Para alguns especialistas, o experimento não é um avanço, mas um retrocesso para um sistema prisional francês que já foi mais aberto no passado. "Agora, as portas foram reabertas, mas apenas para alguns", afirma Marie Crétenot, do escritório francês do Observatório Internacional de Prisões.
Não devem ser incluídos nessas experiências os cerca de 1.600 presos radicalizados da França, cujo número aumentou com o retorno de combatentes jihadistas, e daqueles ligados a atentados. Para eles, a resposta do governo é construir mais celas e isolar as alas de prisões, para impedir que o islamismo radical se espalhe.
"Mas a ideia não é relegá-los ao ostracismo, para que saiam da cadeia amargurados", assegura o porta-voz do Ministério da Justiça Youssef Badr, citando unidades menores e atenção individual a presos radicalizados. "Há um esforço real para reabilitá-los."
Mas o especialista em prisão Farhad Khosrokhavar é cético. "Eles enfatizam o lado repressivo e não o lado da integração", avalia. "E essa é a atitude, eu diria, de muitos governos europeus hoje em dia."
Em Eysses, o detento Jean-Luc compara suas condições atuais a períodos prévios de prisão no norte da França. "Eu estive em alguns lugares onde nem um cachorro entraria. Há ratos, há baratas, há seis pessoas numa cela."
Hoje, ele está planejando seu próximo passo, quando finalmente será um homem livre. "Eu já estarei aposentado então", diz. "E nada vai ser mais importante do que um pedaço de terra para plantar."
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