1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

O negócio com o sangue de éguas grávidas

Jaime Campoamor (fc)16 de outubro de 2015

Países europeus importam plasma do sangue de éguas prenhes na Argentina e no Uruguai para acelerar a procriação de suínos. Organizações de defesa dos animais denunciam tortura em sangrias e abortos forçados.

https://p.dw.com/p/1Gnne
Foto: picture alliance/blickwinkel/L. Lenz

Um documentário das organizações Animal Welfare Foundation (AWF), da Alemanha, e Tierschutzbund Zürich (TSB), da Suíça, mostra a tortura sofrida por éguas em fazendas do Uruguai e da Argentina. A denúncia causou revolta na opinião pública alemã.

Segundo artigo publicado pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, nas fazendas de cavalos da empresa Syntex S.A. nesses dois países, milhares de éguas prenhes seriam diariamente torturadas durante a extração de sangue para processar um hormônio conhecido como PMSG, usado para fins industriais.

Após vários meses de investigação nas localidades onde a Syntex possui fazendas, a AWF e a TSB produziram um documentário chamado Blood Farms (Fazendas de sangue, em tradução livre) em que denunciam os supostos maus-tratos dos animais, sem o conhecimento das autoridades uruguaias, argentinas ou europeias.

Como as leis europeias não permitem a prática denominada "sangria" no velho continente, há 30 anos a atividade vem sendo realizada nos países sul-americanos, dizem os ativistas da AWF, TSB e da ONG uruguaia For the Animals (FTA).

Em gravação feita com uma câmera escondida, o veterinário encarregado de uma das fazendas da Syntex, Fernando Perdigón, recusa-se a explicar como o processo de extração do sangue é realizado, alegando ser "um segredo comercial que não vou revelar". Diante da insistência do entrevistador, ele resume brevemente: "As éguas ficam prenhes, se extrai o sangue do qual é retirado o plasma, que então é congelado e exportado."

O processo de produção do hormônio PMSG exige a extração semanal de dez litros de sangue de cada égua prenhe, para posterior processamento. O que Perdigón, que é chefe da cátedra de Veterinária da Universidad de La República, não explica é que, para o sangue ser produtivo, a extração deve ser realizada entre os 40 e 130 dias de gestação.

Aborto forçado em éguas

Passado o período em que dez litros de sangue são extraídos semanalmente pela veia jugular, os veterinários introduzem a mão no útero da égua, com o objetivo de romper a placenta e provocar "um aborto espontâneo", explica um ex-funcionário da Syntex no documentário.

Após a brutal interrupção induzida da gestação, algumas éguas podem voltar a ser montadas, outras sobrevivem dois ou três anos antes de morrerem de anemia ou efeitos colaterais do aborto. Aquelas que ficam incapazes de se reproduzir, ou são abandonadas ou enviadas a frigoríficos aprovados pela União Europeia. Um empregado do frigorífico Sarel, um dos três deste tipo que funciona no Uruguai, confirma que trabalha regularmente com éguas utilizadas na "sangria".

Em entrevista à DW, o presidente da Sociedade de Medicina Veterinária do Uruguai (SMVU), Carlos Morón, assegura não ter conhecimento de que "aconteça abuso de animais nesses estabelecimentos ".

Embora reconheça que não visitou nenhuma das fazendas em questão, ele insiste que no Uruguai "existe uma lei e uma comissão de bem-estar animal, na qual a minha sociedade tem um representante, ao qual não foi relatada nenhuma denúncia desse tipo". "As denúncias devem ser formais, por escrito e não baseadas em comentários de Facebook ou internet", adverte o presidente da SMVU.

Ao ser questionado sobre os produtos em questão, Morón assegura que, como "veterinário autônomo que trabalha com vacas, uso esses produtos e não tenho elementos para lhe dizer que empresas como Syntex estejam maltratando os animais. Somos defensores do bem-estar animal a qualquer custo". Ele acrescenta que "provocar o cio [nos animais] é legalmente permitido e aceito mundialmente".

Syntex Uruguay Tragende Stuten Fixierboxen Blutentnahme Blood Farm PMSG
Imagem da Syntex no documentário "Blood Farms", produzido por duas ONGs europeiasFoto: Youtube/TSB/AWF

Hormônio eleva capacidade reprodutiva

A gonadotrofina coriônica equina (eCG ou PMSG, nas siglas em inglês), comprada por farmacêuticas europeias como a IDT Biologika (Alemanha) e MSD Animal Health (Suíça, Alemanha e Holanda), é um hormônio produzido por éguas prenhes, utilizado em terapias reprodutivas. A substância serve para influenciar e elevar a capacidade reprodutiva de certos animais como, por exemplo, de porcos.

"Um método praticado há décadas e utilizado para aumentar e sincronizar a entrada no cio é a administração de PMSG nas fêmeas para deter o ciclo 24 horas depois que são separadas das crias. Se usado de maneira adequada, com leitoas híbridas saudáveis, é de se esperar que mais de 95% delas entrem no cio em poucos dias", diz a descrição do produto no website da farmacêutica alemã IDT Biologika.

Para divulgar o fármaco, a empresa usa o slogan "PMSG: Harmonize suas porcas". De acordo com a companhia, o uso do hormônio traz para os agropecuaristas a vantagem de reduzir significativamente o número de dias improdutivos e facilitar o planejamento das jornadas de trabalho. "Tudo graças ao produto natural PMSG", conclui o texto publicitário.

Empresa não comenta

O problema apontado por associações como a AWF e a TSB é a falta de legislação ou controle legal sobre a atividade no Uruguai e na Argentina. O objetivo de sua campanha é frear a importação do PMSG para a União Europeia. Para alcançar a proibição, as ONGs contam com apoio das organizações Eyes on Animal (Holanda), Animals Angels (EUA), L214 Etique et Animaux (França) e For the Animals (Uruguai). Esta última conta em seu país com o respaldo da Mary Brown Animal Help, do grupo Basta de Maltrato Animal e da delegação uruguaia da Libera.

Interpelados pela DW, os diretores da Syntex se negaram a comentar o assunto. No entanto o diretor técnico da empresa na Argentina, Ignacio Videla Dorna, emitiu um comunicado em que reconhece a existência de uma filmagem em que "animais supostamente de propriedade da Syntex S.A. Argentina são vistos sendo submetidos a práticas proibidas por nossa cartilha do bem-estar animal – mas que lamentavelmente são frequentes em muitos estabelecimentos agropecuários da região".

Dorna diz que os produtos da empresa são aprovados em muitos países, os quais "realizam auditoria de nossas instalações e práticas, que são certificadas pelos órgãos públicos e privados competentes".