O jogo de interesses entre Assange e o Equador
12 de abril de 2019Uma das peculiaridades da relação entre o australiano Julian Assange e o Equador é que, enquanto o interesse internacional sobre o destino do fundador do Wikileaks continua grande, muitas pessoas no país sul-americano, em cuja embaixada em Londres ele viveu por quase sete anos, acompanharam sua prisão, nesta quinta-feira, com indiferença.
Visto por muitos como símbolo da luta mundial pela liberdade de imprensa, Assange é no Equador, no máximo, um assunto marginal. Para a maioria dos quase 17 milhões de habitantes do país, o australiano não quer dizer muita coisa. Alguns sequer sabem que ele é. E protestos a favor de Assange, como ocorrem na Europa ou nos EUA, são algo quase impensável no Equador.
E há outra peculiaridade na relação entre Assange e o país sul-americano: tanto o atual presidente, Lenín Moreno, quanto seu antecessor, Rafael Correa, queriam e querem ganhar pontos internacionalmente com o destino do australiano – ainda que em sentidos completamente opostos.
Correa aproveita o momento em 2012
O pedido de asilo político na Embaixada do Equador em Londres feito por Assange em 19 de junho de 2012 foi uma espécie de dádiva divina para Rafael Correa. O Equador de Correa formava, junto com Cuba, Venezuela e Bolívia, um eixo anti-EUA na América do Sul. Os irmãos Castro eram mundialmente famosos, o carismático presidente venezuelano Hugo Chávez também o era. E então Correa ganhou a oportunidade única de também ficar no centro das atenções internacionais com o asilo para Assange – que revelou detalhes da política de Washington para o Afeganistão e o Iraque – e aproveitar a aversão de populistas de esquerda e ativistas aos Estados Unidos.
O presidente do Equador vendeu a concessão de asilo a Assange como a sua contribuição para a luta pela liberdade de imprensa internacional – algo surpreendente considerando que Correa atuava em seu país de origem com força total contra os jornalistas incômodos, os cobrindo de processos e fechando emissoras oposicionistas.
A mensagem de Correa, seis meses antes das eleições presidenciais no Equador foi a seguinte: eu seguro minha mão protetora sobre Julian Assange e luto até mesmo contra os todos-poderosos Estados Unidos pela liberdade de imprensa.
Situação win-win
Correa foi reeleito em 17 de fevereiro de 2013, com uma maioria esmagadora, e Assange permaneceu durante todo o terceiro mandato do presidente na embaixada equatoriana em Londres. Mas a relação entre os dois esfriou.
No início, tratava-se de uma clássica situação win-win tanto para Correa como para Assange, com um presidente que se destacava na política mundial e um ativista que, sob proteção da embaixada, continuava vazando documentos secretos. Mas Correa começou lentamente a perceber que só podia sair perdendo com a questão Assange.
No entanto, se suspendesse o asilo diplomático, o presidente ficaria com uma imagem de traidor, enquanto se permitisse que o australiano ficasse, continuaria a ser martelado em seu país pelas perguntas cada vez mais constantes sobre custos e benefícios da questão.
Será que um país como o Equador, onde um em cada quatro vive na pobreza, podia se dar ao luxo de gastar cerca de um milhão de dólares com a empresa responsável pela segurança de Julian Assange? Correa decidiu, então, empurrar o "problema" com a barriga elegantemente – deixando-o para seu sucessor, Lenín Moreno.
O fundador do Wikileaks não tem culpa da próxima peculiaridade do relacionamento dele com o Equador. Mas ela foi fatal para ele. Moreno, que foi o leal vice-presidente de Correa entre 2007 e 2013, se tornou seu sucessor em 2017. Inicialmente, muitos equatorianos suspeitavam que Moreno seria apenas um fantoche de Correa – e que ele continuaria a política de seu antecessor, que supostamente seguiria dando as cartas dos bastidores.
Moreno se propôs a se livrar desse preconceito. Energeticamente. Ele questionou e virou do avesso toda a política interna e externa defendida por Correa nos seus dez anos na presidência.
Na política externa, Moreno se voltou para a direita, renunciando à aliança bolivariana com Cuba e Venezuela e adotando um curso economicamente neoliberal. Ele até tomou para o país altamente endividado novos empréstimos do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial – instituições que Correa demonizava.
Funcionários do Estado suspeitos de simpatizar com Correa foram demitidos, numa limpeza total para que nada lembrasse a "revolução cidadã" de antes. A emancipação foi tão longe que Moreno e Correa se tornaram inimigos, algo que custou a Assange o asilo diplomático e sua liberdade.
Despedida parcelada
O "novo" Equador mandou sinais claros a Assange em março 2018, quando funcionários da embaixada cortaram o acesso à comunicação de Assange, alegando que ele havia interferido nos assuntos de outros países. Solicitaram que ele se submetesse a novas regras de comportamento e que ele passasse a pagar ele próprio pelos gastos com acomodação, atendimento médico e lavagem de sua roupa.
O aviso de que uma violação das condições poderia levar à retirada do asilo deixou definitivamente claro que o fundador do Wikileaks era apenas um convidado temporário. A partir de então, Moreno vez por outra deixava transparecer que preferia se livrar de Assange e que ele teria conversado até mesmo com os EUA.
A retirada do asilo diplomático e a subsequente detenção de Assange pelas autoridades britânicas nesta quinta-feira marcam o ponto final da relação conturbada com o Equador, com imagens distribuídas para o mundo inteiro. A mensagem de Moreno, na metade de seu mandato, é: vejam, eu finalmente trouxe meu país de volta à comunidade internacional – e, de quebra, humilhei ao máximo meu inimigo favorito, Rafael Correa.
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