Bom saber que golpismo nem sempre vale a pena. Olhando para as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, as midterms, ficou claro que os e as negacionistas eleitorais (aqueles que só acreditam nos resultados das urnas quando ganham) perderam feio por lá. Como o processo de "terra-plana-gem política" nos Estados Unidos está dois anos a frente do do Brasil, ainda devemos ver mais loucuras por aqui.
Jair Bolsonaro sempre copiou Donald Trump. Mas ele não é um "Trump brasileiro". Ele é apenas uma cópia malfeita. Demorou mais de três semanas para decidir se embarcaria ou não na história das urnas fraudadas. Enquanto Trump planejou essa cartada bem antes das eleições e liderou toda a contestação dos resultados, Bolsonaro hesitou covardemente. Deixou seus apoiadores na chuva por semanas, enviando mensagens ambíguas por meio de seus coadjuvantes. Se der errado, ele grita seu "eu nunca falei isso". Já sabemos.
Agora deu-se início à contestação por aqui: Valdemar Costa Neto, presidente do partido do presidente, o PL, alega "desconformidades" de uma grande parte das urnas, querendo reverter a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. A mando de Bolsonaro, claro.
O TSE, por sua vez, respondeu de forma rápida: Alexandre de Moraes deu 24 horas para o PL incluir, no seu pedido, a anulação dos votos do primeiro turno. Óbvio. Se houve problemas com as urnas, que seja anulado tudo, e não apenas os votos inconvenientes.
É a terceira vez que partidos da direita desafiam os resultados das eleições no Brasil. Primeiro foi o PSDB de Aécio Neves, que questionou a vitória de Dilma Rousseff em 2014; depois foi Bolsonaro, então no PSL, que – mesmo tendo ganhado – gritou "fraude" em 2018, sem comprovar nada. Agora, ele e o PL alegam mais uma vez uma fraude nas urnas.
Mas acredito que não dará em nada. Como todos sabem, Costa Neto é uma velha raposa da política brasileira. É um homem de ambição, que já está puxando os fios em Brasília há 30 anos. Envolvido no mensalão por ter construído a aliança eleitoral entre o PT de Lula e seu PL, ele renunciou duas vezes a seu mandado, para evitar a cassação. Ele sabe muito bem o que está fazendo e em qual briga vale a pena entrar.
No primeiro turno das eleições deste ano, ele conseguiu sua consagração como líder partidário. O PL terá 99 deputados e 14 senadores no novo Congresso. Assim, Valdemar Costa Neto terá 1 bilhão de reais do fundo eleitoral em caixa, mais do que qualquer outro partido. Arriscaria isso para atender às ideias mal geridas de Bolsonaro? Claro que não!
O resultado das eleições foi perfeito para Costa Neto. Quando valer a pena votar com o novo governo, assim o fará; quando for melhor estar contra, estará. Sempre de olho na próxima eleição, na qual o PL se apresentará como o mais importante partido da oposição, ganhando cada vez mais cadeiras à custa dos partidos moderados da centro-direita.
Portanto, anular as eleições deste ano é a última coisa que Valdemar Costa Neto quer. Ao mesmo tempo, tem que fingir atender às loucuras de Bolsonaro e dos terraplanistas que estão há três semanas pedindo um golpe militar e a ajuda de ETs. Vai achar um jeitinho para atender essa galera.
Uma galera, aliás, cada vez mais violenta e sem freios. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Santa Catarina, bloqueios no estado usam métodos parecidos com os de terroristas ou black blocs, com ações "criminosas e violentas". Alegam querer evitar a "venezuelanização" do Brasil, mas estão seguindo o mesmo roteiro de Hugo Chávez – mais um militar frustrado do baixo-clero com sonhos autocráticos.
Bom, os Estados Unidos já parecem estar no caminho de consertar a bagunça deixada por Trump. Por aqui, ainda vai demorar.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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