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O futuro incerto da demarcação de terras indígenas

24 de janeiro de 2019

Bolsonaro transferiu da Funai para o Ministério da Agricultura a tarefa de delimitar terras indígenas, e mudanças ainda são incógnita. Especialistas veem conflito de interesses e temem inclusive por áreas já demarcadas.

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Território indígena no Norte do Brasil
Atualmente, terras indígenas compõem 13% do território brasileiroFoto: Ádon Bicalho/IPAM

Os moradores da Terra Indígena (TI) Tabocal, no Amazonas, aguardam ansiosamente o dia em que receberão a notícia de que a demarcação de suas terras foi concluída. "Saiu o registro? A gente aqui não está sabendo", afirmou Francisco Ferreira, agente de saúde local e morador da TI, à DW Brasil.

Já são mais de vinte anos de espera para os indígenas da etnia mura. O registro da posse foi um dos últimos anunciados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) quando o órgão ainda cuidava das demarcações. 

Em seu primeiro dia de governo, o presidente Jair Bolsonaro transferiu para o Ministério da Agricultura a atribuição de identificar e delimitar esses territórios. Ainda não está claro que mudanças serão feitas.

Na TI Tabocal, Ferreira, que visita todos os moradores uma vez por mês, ainda não sabe se pode ficar aliviado com a regularização pela Funai da terra onde nasceu e cresceu. "É que a gente não tem ideia do que vem daqui para a frente", justifica.

Pelo menos 245 territórios ainda aguardam a finalização do processo de demarcação, segundo dados da Funai. Um levantamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta que existem 537 terras para as quais o Estado ainda não adotou providência alguma.

Questionado pela DW Brasil sobre os processos em andamento, o Ministério da Agricultura respondeu por e-mail: "Com relação aos que tramitam na Justiça, a ministra Tereza Cristina pedirá um pouco mais de rapidez nas decisões. E aqueles que se encontram na esfera do Executivo serão submetidos ao Conselho de Ministros que está sendo formado."

Rito da demarcação

Segundo o Decreto nº 1775/96, estudos da área em questão, conduzidos por uma equipe de antropólogos, deveriam ser a primeira etapa da demarcação. Até agora, os resultados eram então analisados pela Funai e podiam ser contestados por terceiros. Resolvidos esses embates, os limites do território eram declarados pelo Ministério da Justiça, e a demarcação física, realizada.

Quando o presidente da República homologava a terra indígena, era hora de os não índios serem retirados do local e assentados. Na etapa final, o registro era feito na Secretaria de Patrimônio da União.

Atualmente, 115 áreas no país estão na fase de estudo. "Levantamos toda a informação existente publicada sobre a etnia que faz a demanda daquele espaço. Fazemos estudos de campo para compreender o estilo de vida da comunidade, que é fundamental", detalha Fabio Mura, que já foi um dos diretores da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

Mura coordenou os estudos preliminares sobre o território ocupado pelos tabajara no litoral sul da Paraíba. Com 184 páginas, o relatório recorreu a documentos no Arquivo Nacional – alguns produzidos em 1865 –, a estudos sobre a formação territorial e à memória dos indígenas.

Habitantes da região quando o país foi ocupado por portugueses, os tabajara viram os conflitos se agravarem na década de 1970, com a expansão da cana-de-açúcar e do turismo, a abertura de estradas e a especulação imobiliária.

"O nosso trabalho é sempre feito em situações de conflito", afirma Mura, que já atuou em outros estudos do tipo. "O antropólogo tem que ter autonomia para chegar às conclusões científicas. Outra coisa é o que a Funai faz com as informações, se para ela é ou não adequado demarcar a área delimitada no estudo."

Segundo o novo Ministério da Agricultura, estudos de caracterização dos povos que demandam a terra continuarão a ser feitos pelos especialistas da área – no caso, antropólogos. Quem agora vai julgar se é adequado ou não garantir aos indígenas a posse do território será uma comissão comandada pelo ministério.

Conflito de interesses

Carlos Cirino, pesquisador da Universidade Federal de Roraima, preocupa-se com um conflito de interesses. "É preciso chamar a atenção para o fato de que a Frente Parlamentar Agropecuária é contra as demarcações e representa os interesses de produtores rurais", comenta.

Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), acompanha as mudanças em Brasília com preocupação. "O ministério é comandado por ex-deputados ligados à bancada ruralista, que passaram os últimos anos tentando reformar a legislação para retirar e fragilizar os direitos dos índios", observa. "A demarcação de terras, que deve ser pautada por critérios constitucionais e técnicos, estará submetida a interesses políticos duvidosos."

Luis Ventura Fernández, do Cimi, teme pelas áreas já demarcadas. "Há manifestações públicas por parte de diversos membros do novo governo, incluindo seu presidente, com relação à intenção de reverter processos já concluídos de demarcação, homologação e registro de terras indígenas, bem como abrir esses territórios aos interesses de setores econômicos."

A cerca de 150 quilômetros de Manaus, a TI Tabocal, com 907 hectares, agora está formalmente delimitada no mapa. Atualmente 13% do território do Brasil são terras indígenas, o que muitos no Congresso consideram "muita terra para pouco índio".

"Esse discurso tem um caráter ideológico que visa negar direitos indígenas, no que diz respeito às terras tradicionalmente por eles ocupadas, direitos esses garantidos pela Constituição", critica Cirino. "Esse discurso não tem fundamento científico, pois não considera que estamos tratando de povos diferenciados, com outra forma de organização social, onde a dimensão de território é outra."

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