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MigraçãoOriente Médio

O difícil regresso (forçado) de refugiados à Síria de Assad

4 de julho de 2024

Grupos de direitos humanos denunciam aumento de deportações por parte de Turquia e Líbano. Apesar de vida difícil no exterior, maioria não quer voltar à Síria – seja por questões econômicas ou de segurança.

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Uma mulher síria com dois filhos: uma menina e um menino
Para os refugiados do sexo masculino, retornar à Síria significa acabar no exército ou na prisão, sentenciando suas famílias à pobrezaFoto: Muhammed Said/AA/picture alliance

Quando as forças de segurança turcas detiveram Abdul Qader Basmaji, em março deste ano, não deu nem tempo do refugiado sírio ir a um caixa eletrônico em Istambul para sacar suas economias antes de ser levado para um centro de deportação.

Alguns dias depois, o homem de 25 anos chegou à fronteira entre a Turquia e a região de Idlib, no noroeste da Síria.

Basmaji ri amargamente quando lhe perguntam se ele foi compensado por ter perdido o emprego, apartamento, amigos e economias. "Ninguém me reembolsou", disse ele à DW na cidade de Idlib, acrescentando que, pelo menos, as autoridades turcas não solicitaram que ele mesmo arcasse com os custos da deportação.

Se tivesse dinheiro suficiente para voltar, Basmaji retornaria imediatamente à sua vida de refugiado em Istambul.

Agora, dez anos depois de fugir de sua cidade natal, Aleppo, após protestar contra o presidente sírio Bashar al-Assad, ele se vê de volta à Síria com apenas o que tinha no bolso no dia em que foi detido.

"Com uma grave crise econômica, sanções, falta de reconstrução, acesso limitado a serviços básicos e oportunidades de emprego, retornar à Síria muitas vezes significa voltar à estaca zero", afirma Nanar Hawach, analista sênior para a Síria do Grupo de Crise Internacional (International Crisis Group), uma organização independente que trabalha na prevenção e resolução de conflitos.

Homem sírio em uma tenda, sentado no chão ao lado de um fogareiro
Refugiados sírios que regressam enfrentam vida dura no país, e podem acabar sem escolha entre a prisão e o serviço militar obrigatórioFoto: picture alliance / Anadolu

Turquia deportou mais de 57 mil desde 2023

Após o início da guerra na Síria em 2011, cerca de 3,6 milhões de sírios fugiram para a Turquia.

Mas nem todos ficaram e os grupos de direitos humanos observaram recentemente um aumento nos retornos forçados.

Desde janeiro de 2023, mais de 57 mil sírios foram deportados para a região de Idlib, que é o último reduto das milícias e da oposição na Síria.

A região também se tornou conhecida por suas terríveis circunstâncias econômicas e humanitárias, que se intensificaram ainda mais após o terremoto mortal de fevereiro de 2023.

Devido à alta taxa de desemprego na região, Basmaji não consegue encontrar um emprego estável e faz bicos na construção civil. "Não é o suficiente para pagar as contas", afirma.

Ele também não pode se juntar à sua família em Aleppo, já que a cidade foi recapturada há muito tempo pelas forças sírias.

"Na melhor das hipóteses, eles me forçarão a entrar no exército, onde serei morto ou terei de matar outros sírios; na pior, desaparecerei e morrerei na prisão", diz ele pragmático.

Serviço militar obrigatório

Na Síria, homens com menos de 42 anos de idade são obrigados a servir no Exército por tempo indeterminado.

"O alistamento não significa apenas que a vida dos homens está em perigo, mas também afeta financeiramente famílias inteiras, pois sem o salário do alistado, a família não consegue cobrir seus itens básicos de alimentação", explica Hawach.

"Atualmente há conversas em Damasco para tentar aliviar as preocupações dos repatriados em relação ao alistamento e às questões de segurança", diz Hawach à DW. 

No entanto, há também outros aspectos que provavelmente continuarão a reduzir o número de repatriados do sexo masculino.

Embora muitos sírios tenham perdido suas propriedades durante a guerra devido à destruição, ao confisco ou à falta de documentação, os repatriados são especialmente vulneráveis, relata Hawach.

"O apoio financeiro aos repatriados é quase inexistente", afirma.

A Agência da ONU para Refugiados (Acnur) tem dito repetidamente que a Síria ainda não é suficientemente segura.

Além disso, a Rede Síria de Direitos Humanos (Syrian Network for Human Rights) afirma que milhares de repatriados voluntários e não voluntários foram presos após retornar da Turquia e do Líbano.

Caminhões do tipo pau de arara carregando refugiados sírios e seus pertences
Caminhões carregando refugiados sírios e seus pertences no Líbano a caminho da Síria; país tem sido acusado de deportar pessoas à forçaFoto: AFP

Deportações forçadas também no Líbano

A situação no Líbano é diferente, pois o país compartilha quase 400 km de fronteira com as áreas sírias sob o controle de al-Assad.

"A Segurança Geral do Líbano financia as viagens de retorno à fronteira depois de acertar os nomes dos repatriados com o regime de al-Assad", diz à DW Muhsen AlMustafa, pesquisador de segurança e forças armadas na Síria do Centro de estudos estratégicos Omran, um think tank com sede em Istambul.

E apesar das autoridades libanesas afirmarem que o retorno dos refugiados sírios é totalmente voluntário, a organização de direitos humanos Access, com sede em Beirute, documentou 763 casos de deportação forçada para a Síria em 2023 e outros 433 entre janeiro e maio de 2024.

Um dos deportados foi Trad, de 27 anos, detido por não ter uma autorização oficial de residência. "As autoridades exigiram uma fiança de 750 milhões de libras libanesas (R$ 46,6 mil) para libertá-lo", conta o pai dele, Mamdouh, de 63 anos, à DW em Beirute.

Depois que ele pagou a fiança e foi buscar o filho, as autoridades o informaram que Trad já havia sido deportado para a Síria.

"Desde então, ele desapareceu", diz preocupado.

As esperanças de Mamdouh estão nas ONGs de direitos humanos e na ONU, que vêm pedindo a governos como os da Turquia e do Líbano que garantam que os recursos internacionais que recebem não sejam destinados para violações de direitos, e que se procure uma solução política para o conflito na Síria. 

Colaborou Rola Farhat, da DW no Líbano.

De uma guerra para outra