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ConflitosSíria

O destino incerto dos "filhos do Estado Islâmico"

Diana Hodali
9 de fevereiro de 2022

Apenas em uma prisão da Síria, a de Hasaka, no nordeste do país, estão detidos 700 menores de idade. Seu crime: os pais são considerados terroristas do EI, e as autoridades temem sua radicalização.

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Dois meninos andam abraçados em acampamento para refugiados
Ainda há milhares de mulheres do EI com crianças nos acampamentos, como no de Al-HolFoto: Maya Alleruzzo/AP Images/picture alliance

Cerca de 20 meninos dividem uma cela na prisão de Ghwayran, em Hasaka, no nordeste da Síria. Nem todos os cômodos têm janelas, e em determinados momentos as crianças podem ir para um pátio tomar banho de sol. Eles recebem comida da administração prisional.

Estão presos no local, desde 2019, em torno de 700 menores de idade cujos pais se juntaram ao grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI). "Algumas dessas crianças já estiveram envolvidas em ocorrências. Outras, dizem as autoridades curdas locais, vêm de famílias que se radicalizaram", relatou Mehmet Balci, da organização suíça de direitos humanos Fight for Humanity.

Recentemente, essa prisão ganhou as manchetes, devido a uma revolta dos combatentes do EI presos. No início, havia apenas 150 meninos, mas seu número aumentou rapidamente. Diz-se que em outras prisões da região haveria até 120 outros, supostamente também saídos de campos de treinamento do EI, de acordo com Balci.

Crianças e terroristas no mesmo local

O presídio de Hasaka é o maior complexo prisional da região e está sob a supervisão do governo autônomo curdo do norte do país. A aliança militar curda Forças Democráticas Sírias (FDS) é responsável pela segurança do local.

Além dos menores de idade, 5 mil terroristas do EI também estão encarcerados no complexo, porém em prédios separados. Apesar de se tratar de antigas instalações escolares, os detentos entre 12 e 18 anos não receberam educação formal pelo menos desde sua prisão. As condições nas prisões improvisadas são precárias, e as medidas de segurança, inadequadas.

Isso também é demonstrado pela tentativa do EI de libertar de lá milhares de seus combatentes  num ataque na noite de 19 para 20 de janeiro. A prisão chegou ficar sob poder dos terroristas por cinco dias, antes que as FDS recuperassem o controle.

Prisão em Hasaka, na Síria
Forças Democráticas Sírias (FDS) recuperaram o controle da prisão em Hasaka após uma revoltaFoto: AFP

Enquanto isso, o EI tomou guardas e menores como reféns e executou funcionários da prisão: o ataque deixou quase 200 mortos. Os fundamentalistas usaram ainda as crianças como escudos humanos, informa um porta-voz do Conselho Democrático Sírio (CDS), a ala civil das FDS dominadas pelos curdos. Pelo menos presume-se que os menores estariam novamente em segurança.

Testemunhas dizem que crianças também morreram

Contudo, Letta Tayler, diretora adjunta da Human Rights Watch, escreveu no Twitter que, segundo testemunhas oculares, haveria crianças entre os mortos. "Até hoje não está claro o que aconteceu com a maioria desses menores", afirmou a consultora síria Anita Starosta, da organização Medico International. "Duzentos meninos puderam ser levados para outro local durante o ataque."

Há meses, a ONG, juntamente com a Fight for Humanity, vem apoiando organizações locais, como a Purity, a melhorar o alojamento dessas crianças e a lhes proporcionar de uma perspectiva de vida sem o EI. Mas, no momento, apenas os 200 meninos que foram levados puderam receber atendimento de emergência, diz Starosta. Além de cuidados básicos, as organizações originalmente planejavam lhes oferecer educação escolar, conta Mehmet Balci.

O fundador e codiretor da Fight for Humanity, visitou três vezes a prisão. Em 2021, a organização iniciou um projeto para oferecer apoio educacional e psicológico para as crianças, mas por enquanto tudo está parado, e provavelmente levará semanas ou meses até a situação no local estar novamente sob controle.  

Radicalização infantil

O ataque do EI trouxe o destino incerto das crianças de volta ao foco. Organizações e ativistas de direitos humanos denunciam que elas estejam sendo punidas pelos crimes de seus pais, e temem que a detenção também possa encorajar a radicalização.

"Exigimos a libertação das crianças da prisão. A detenção de menores deve ser usada apenas como último recurso e pelo menor tempo possível", reivindicou recentemente o especialista em Síria da Unicef, Bo Viktor Nylund.

Mas as forças de segurança locais veem as crianças como um perigo em potencial, pois algumas delas teriam recebido treinamento militar do EI e podem realmente ter participado de batalhas. Mas até agora nada se sabe sobre seus antecedentes. Além disso, nenhum deles foi acusado de um crime ou apresentado a um juiz.

Operação dos EUA na Síria deixa civis mortos
Operação militar em Atmeh, Síria, na qual o líder EI foi morto, também deixou vítimas civisFoto: Anas Alkharboutli/dpa/picture alliance

"Antes de tudo, essas crianças são vítimas do conflito e, portanto, não devemos abordá-las com uma ideia de desradicalização", frisa Balci. "Você não pode acusá-las de serem terroristas ou radicalizados – mesmo que tenham sido criadas por islamistas radicais". Ao invés disso, deveriam receber educação e assim, se possível, uma nova perspectiva de vida.

O governo curdo pretendia que a detenção fosse apenas uma solução temporária. Quando as forças de segurança regionais, em cooperação com a coalizão internacional contra o EI, finalmente derrotaram o "califado" do EI na Batalha de Baghouz, em março de 2019, milhares de mulheres do EI e seus filhos se dirigiram aos campos de refugiados Al-Hol e Roj.

Entre eles estavam também centenas de mulheres e crianças de vários outros países – que permanecem nos campos até hoje. As forças de segurança curdas prenderam cerca de 12 mil apoiadores do EI no nordeste da Síria, incluindo 4 mil terroristas de vários países e nacionalidades, também alemães.

Repatriação relutante

Cerca de 150 dos 700 menores detidos não são iraquianos nem sírios. Representantes do governo autônomo curdo, das Forças Democráticas Sírias (FDS) e de organizações humanitárias locais sempre pediram apoio internacional e, especificamente, o acolhimento de combatentes do EI e suas famílias pelos respectivos países de origem.

Até agora, porém, isso só aconteceu em pequena escala. A Alemanha também é bastante reticente quando se trata de receber terroristas do EI. De acordo com Starosta, houve apenas procedimentos isolados de repatriação de mulheres e de crianças órfãs alemãs, sempre precedidos por uma longa disputa judicial. "É importante assumirmos a responsabilidade juntos", comentou Mehmet Balci. "A responsabilidade aqui não é apenas das FDS."

Presos na prisão de Hasaka, na Síria
Durante cinco dias, "Estado Islâmico" teve a prisão de Hasaka em seu poder, deixando quase 200 mortosFoto: FADEL SENNA/AFP/Getty Images

Uma coisa, porém, está clara: com o ataque à prisão, o EI mostrou que ainda é capaz de agir. E o fato de, segundo informações dos EUA, seu líder Abu Ibrahim al-Hashimi al-Kuraishi ter se suicidado recentemente, durante um ataque americano, é provavelmente apenas uma pequena vitória na luta contra o terror do EI em sua região de origem. Mas isso não erradica sua ideologia.

Precisamente por esse motivo o governo autônomo curdo precisa de apoio, frisou Anita Starosta, da organização Medico International. "Uma nova escalada será iminente se não conseguirmos deter o avanço do EI e neutralizar os processos de radicalização nos campos de refugiados e prisões."

Perspectivas para as crianças?

Por enquanto, os menores presos só podem esperar por ajuda humanitária, assim que o acesso à prisão for novamente possível. Mesmo assim, não há um plano de longo prazo para lidar com eles.

"Se, juntos com nossos parceiros, conseguirmos fazer nosso trabalho com as crianças em nível pedagógico, preparando-as para uma vida normal, então elas poderão ter uma chance e uma perspectiva", explica Starosta. "Se elas continuarem simplesmente trancadas, porque não há alternativa, então suas perspectivas não são tão boas."

Enquanto isso, o governo autônomo curdo continua esperando que, além dos terroristas do EI e das mulheres, as crianças também sejam repatriadas por seus países de origem.