O desafio da inclusão de alunos com deficiência visual
3 de fevereiro de 2014Max Kordell estuda química no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe (KIT), na Alemanha. Na aula lotada de química orgânica, ele senta na primeira fila. Inclinando sobre seu computador, o jovem de 19 anos se destaca entre os outros estudantes.
Max é albino e, como outros que sofrem do mesmo distúrbio congênito, tem problemas na visão. No quadro negro o professor escreve uma longa fórmula. Apesar de possuir apenas cerca de 7% da visão, ele pode acompanhar as aulas devido a uma câmera que projeta o texto escrito direto no seu computador.
"Eu preciso ter tudo ampliado. Graças à câmera, eu posso aumentar o tamanho das letras e ler", diz Max.
Ampliar o material didático universitário para estudantes que possuem alguma deficiência visual é simples – já existem softwares e hardwares que fazem esse trabalho. Mas os programas geralmente esbarram em equações e gráficos, alguns essenciais para cientistas.
Apoio institucional
Max mostra um documento em PDF enviado por seu professor. Ele tenta ampliar a fórmula com o software especializado, mas o texto foi escrito com uma fonte que não é ampliada de forma legível. Ao invés de ampliá-la, o computador exibe um emaranhado de símbolos impossíveis de ler.
Estudantes cegos enfrentam problemas parecidos. Porém, ao invés de usar um programa de ampliação, eles utilizam softwares que leem em voz alta o texto do computador. Mas mesmo um texto simples pode apresentar problema. Por exemplo, se o PDF for protegido, o programa não consegue fazer a leitura. Além disso, esses softwares têm dificuldades com fórmulas, gráficos e mapas.
Os cerca de 30 estudantes cegos e com visão parcial matriculados no KIT recebem o apoio do Centro de Estudos para Alunos com Deficiência Visual (SZS), onde o material didático é adaptado para torná-lo acessível a deficientes visuais. As alterações são realizadas respeitando a necessidade individual de cada um.
Existem vários centros como esse na Alemanha, mas o SZS é o único especializado em ciências naturais. Segundo o pesquisador responsável pela adaptação do material literário no centro, Torsten Schwarz, a matemática é o problema principal.
As palavras, explica, são unidimensionais –correm em uma linha pela página. Mas matemática é, com frequência, bidimensional. Uma fração, por exemplo, ¼, tem uma parte superior e inferior, complicando a leitura feita por softwares especializados.
Schwarz coordena uma equipe de estudantes que trabalha no centro, convertendo equações do material didático em uma notação matemática mais linear, conhecida como LaTex, mais acessível para cegos. Mas ainda há o problema da acessibilidade de gráficos, mapas e diagramas.
Gráficos são bem complexos, combinam texto, números e informações visuais. Para adaptá-los é necessário, primeiramente, que todas as informações não essenciais sejam eliminadas. Em seguida, é preciso uma descrição da informação que está sendo apresentada.
"Porém, isso ainda não é o suficiente", afirma Scwarz. Ele explica que o gráfico é transformado e impresso como um documento tateável, para que os estudantes possam senti-lo com os dedos.
Embora a versão tateável não seja incomum, a universidade possui uma das três impressoras existente na Europa que permitem a impressão simultânea de documentos, com tinta e alto relevo. Essa característica é importante para que estudante com e sem deficiência visual trabalhem juntos, ou para que perguntas feitas sejam respondidas pelo professor.
Mercado aberto
Estudantes com deficiência visual nas áreas de engenharias e ciências enfrentam outros problemas que podem dificultar o estudo. Por exemplo, a finalização dos trabalhos de laboratório, pois eles não conseguem ver a reação química, e o constante perigoso de manusear máquinas cortantes.
Mas superar esses obstáculos pode valer a pena. Para Schwarz, deficientes visuais formados em ciências têm mais chances no mercado de trabalho do que aqueles que concluíram seus estudos nas áreas humana ou jurídica. Mas essa opinião é difícil de comprovar – a Alemanha, por exemplo, não possui tais dados.
A apenas alguns quilômetros do KIT, Vladyslav Kutsenko escreve em seu computador. O som do programa de leitura sai do seu fone de ouvido. Às vezes Kutsenko passa a mão sobre display em braille, que faz a conversão do texto.
Vladyslav ficou cego com 15 anos, após sofrer um acidente. Ele estudou ciência da computação no KIT. Segundo ele, o SZS "foi uma grande ajuda". Apesar da deficiência, sete semanas após concluir os estudos, Vladyslav estava empregado. Agora, ele trabalha para a uma empresa de computação de médio porte sediada em Karlsruhe.
Embora possa ter algumas dificuldades, como no desenvolvimento de gráficos interativos, ele acredita, hoje, que mais deficientes visuais deveriam estudar ciências, especialmente a da computação. "Programação é uma área próspera para cegos", diz.