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Educação

O controverso programa do MEC para salvar universidades

31 de julho de 2019

Com Fundo Soberano do Conhecimento previsto no programa Future-se, ministério espera arrecadar R$ 100 bilhões com verbas privadas. Reitores criticam falta de diálogo, e especialista vê ameaça à produção científica.

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Protesto contra cortes de verbas da educação na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, em maio de 2019
Protesto contra cortes de verbas da educação na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, em maio de 2019Foto: Reuters/R. Buhrer

Após a forte reação ao anúncio de contingenciamento de verbas das universidades e institutos federais, no final de abril, o Ministério da Educação (MEC) apresentou, no último dia 17 de julho, o "Future-se", programa destinado a impulsionar a participação da iniciativa privada na gestão de instituições de ensino superior. Entre promessas de sanar a grave crise orçamentária do setor e acusações de privatização do ensino e inconstitucionalidade, o MEC se vê no centro de uma nova polêmica.

O rascunho do Projeto de Lei (PL) que prevê a criação do Future-se propõe a mudança de 17 leis em vigor. Além de alterações substantivas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), marco legal da educação superior, e o Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal, o PL perpassa legislações das áreas de ciência e tecnologia, cultura, tributação e saúde – esta última, no âmbito dos hospitais universitários.

A amplitude da proposta do MEC reflete o desejo de uma modificação radical na estrutura administrativa das instituições federais. Embora tenha sido aberto um prazo de consulta pública do programa, que vai até 15 de agosto, as administrações das universidades e institutos federais queixam-se por terem sido pegas de surpresa com o anúncio do programa.

Em nota conjunta, reitores de universidades e institutos federais de educação do Rio de Janeiro afirmam não terem sido convocados para contribuir com a formulação do programa, embora reconheçam a necessidade de discutir alternativas para a crise orçamentária do setor, agravada pela Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o congelamento do investimento público por 20 anos.

"A proposta foi elaborada em contexto de grave restrição orçamentária das instituições federais de ensino, que correm risco real de interrupção das atividades acadêmicas neste segundo semestre de 2019. É, portanto, fundamental discutir profundamente o modelo de financiamento do ensino superior", diz o trecho de uma nota conjunta elaborada por reitores das universidades e institutos federais do Rio de Janeiro.

Parcerias

O Future-se prevê a implementação de diversas iniciativas que estimulam parcerias com o capital privado para a ampliação de receitas e criação de ambientes favoráveis aos negócios, abrigadas no eixo de "gestão, governança e empreendedorismo".

Entre algumas das novas fontes de verbas sugeridas estão a gestão de imóveis das instituições, a internacionalização, o registro de patentes, a cessão de naming rights – direitos do nome – de prédios e campi, além da captação de recursos por meio de leis de incentivos fiscais na área cultural.

Uma das principais novidades anunciadas pelo programa é a criação de um Fundo Soberano do Conhecimento, que pode contar com um aporte inicial de até 50 bilhões de reais do governo federal. Com a participação de investidores privados, o governo espera que a arrecadação ultrapasse os 100 bilhões de reais.

O MEC também propõe a criação de um sistema de premiação para professores que publicarem em periódicos científicos, além de estabelecer a possibilidade de estabelecerem sociedade com propósitos específicos, explorarem patentes e ainda serem fundadores ou sócios de startups dentro das universidades.

"Estamos tornando o cargo de professor universitário o melhor cargo do Brasil, porque além de ele ter o seu salário garantido, tudo o que ele conseguir captar será dele", declarou o secretário de Educação Superior, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior.

Após aventar a possibilidade de contratação de professores via CLT, ao contrário do ingresso via concurso público adotado nas instituições hoje, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, voltou atrás e afirmou que o novo regime só valeria para docentes renomados de universidades estrangeiras, sem esclarecer como seria mantido o princípio da impessoalidade no processo.

Pelo desenho do projeto apresentado pelo MEC, a adesão ao Future-se aconteceria de forma voluntária por cada instituição federal. O pré-requisito é a transferência da gestão para organizações sociais, as OSs. Esse modelo de gestão já vem sendo adotado na gestão dos hospitais universitários, com o estabelecimento de contratos de gestão.

Riscos

No entendimento de segmentos expressivos do meio acadêmico, essa proposta fere o princípio da autonomia universitária, prevista no artigo 207 da Constituição Federal. Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2006, acredita que o modelo terá impactos graves sobre a produção científica, que já convive com recursos escassos.

"Em todos os países desenvolvidos do mundo, a pesquisa e as próprias universidades são fortemente sustentadas pelo Estado. Isso porque o desenvolvimento das economias passa ao largo dos interesses do mercado, que deseja atender aos desejos mais imediatos de seus agentes econômico", pontua.

Cara lembra que mesmo nos Estados Unidos, boa parte do ensino é subsidiada pelo Estado, especialmente a pesquisa. E afirma, ainda, que a estrutura americana não pode servir de referência para o Brasil, uma vez que, aqui, as universidades públicas devem ser instrumentos de democratização do acesso ao ensino superior.

"Trata-se de um país continental extremamente desigual, em que apenas 18% dos jovens entre 18 a 24 anos têm acesso ao ensino superior. Estamos distantes de alcançar o patamar de 33% da população adulta com graduação completa e aquém de países latino-americanos com renda e desenvolvimentos médios inferiores aos do Brasil", argumenta.

Ao enxergarem no Future-se uma ameaça à autonomia universitária, críticos do programa apontam traços de inconstitucionalidade na transferência da gestão para as OSs. No entendimento da advogada constitucionalista Vera Chemin, a acusação é infundada. Entretanto, ela explica que a falta de clareza na interpretação do artigo 207 pela legislação relacionada e também por tribunais superiores dá margem a diferentes apreensões.

"A discussão sobre a autonomia financeira das instituições de ensino público superior vem sendo travada desde o final dos anos 1970. É uma questão complexa do ponto de vista constitucional e jurisprudencial, sobretudo por decisões do STF. Mas especialmente porque embute, infelizmente, o embate ideológico", diz.

Chemin afirma que as leis criadas para regulamentar o artigo 207 são confusas e contraditórias. Porém, lembra que o caráter público das instituições não implica a dependência permanente de recursos provenientes do Estado.

"As instituições de ensino superior federais resistem a conquistar sua autonomia porque estão acostumadas a receber essa verba da União, o que gerou uma acomodação. A partir do momento em que iniciarem um voo próprio, irão tornar-se muito mais eficientes", defende.

Daniel Cara, por sua vez, lembra casos recentes de ondas de demissões de professores em universidades privadas brasileiras, especialmente em São Paulo, motivadas sobretudo por divergências ideológicas. Ele acredita que a entrada das OSs teria o efeito de ferir a liberdade de cátedra dos docentes.

"O efeito para o país será a pressão sobre a produção científica, o que vai levar o país ao obscurantismo. Sabemos que o governo é contra o conhecimento científico. Desmobilizar as universidades federais, responsáveis pela maior capilaridade da ciência, acaba sendo um objetivo muito concreto do bolsonarismo", opina.

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