"Não podemos parar as mudanças climáticas"
14 de novembro de 2017Há duas décadas, o pesquisador holandês Guus Velders investiga como elementos comuns do dia a dia interferem na camada de ozônio. Sem querer, o trabalho dele virou uma ferramenta contra as mudanças climáticas, num esforço que o colocou na lista das cem pessoas mais o do mundo da revista Times neste ano.
O trabalho de Velders foi muitas vezes além da ciência em si: ele chegou a invadir reuniões fechadas para acompanhar discussões políticas e entregar, em mãos, resultados de suas contas a autoridades poderosas.
Velders foi peça-chave na criação das bases para o acordo internacional que obrigará países a pararem de usar HFC, gás muito utilizado na refrigeração e que – como ele ajudou a provar – é tão nocivo à camada de ozônio como seu antecessor CFC.
Sua constatação levou no ano passado à revisão do Protocolo de Montreal (1987) e se tornou uma peça importante na busca para alcançar as metas do Acordo de Paris: estima-se que só o HFC poderia ser responsável por 0,5º do aumento da temperatura global até 2100.
Em entrevista à DW em Berlim, Velders comenta como ele enxerga o cenário para a implementação do acordo de Paris em andamento na Conferência do Clima (COP23), em Bonn, na Alemanha.
DW Brasil: O Protocolo de Montreal foi um acordo internacional que conseguiu seu objetivo: a camada de ozônio está se recuperando. Quais são as chances de o Acordo de Paris também ter uma história de sucesso?
Guus Velders: O Acordo de Paris foi um grande passo há dois anos. Ele acertou a meta de limitar o aquecimento do planeta até 2˚C, tentando chegar à marca de 1,5˚C. É preciso agora trabalhar nessa direção.
Mas não é tudo. Já sabíamos havia dois anos que o acordo não seria suficiente. Ele não é algo que força a cumprir a meta, como foi o de Montreal. Mas isso já se sabia. É por isso que o Acordo de Paris prevê uma revisão a cada cinco anos para ver se mais pode ser feito.
O Protocolo de Montreal foi muito mais um acordo de controle. Claro que lidava com o problema muito menor: poucas indústrias envolvidas que, digamos, afetava menos a sociedade como um todo - como é o que acontece as mudanças climáticas.
O protocolo está em vigor, todos respeitam, mas quando um país não consegue seguir à risca o prazo estabelecido para abolir uma substancia química, não existe uma culpabilização, o país não passa vergonha internacional. Não há penalidade: as pessoas tentam colaborar e buscar uma solução, há apoio técnico que dá assistência para o país nesse quesito. O que existe é uma colaboração.
Essa é uma atitude diferente da que vemos na área do clima. Seria bom se essa atitude de colaboração fizesse parte também das negociações do clima.
Uma resistência inicial a esses acordos é sempre esperada.
Quando o Protocolo de Montreal foi assinado também houve muita oposição da indústria, especialmente a europeia. Havia mais incertezas na ciência. Os pesquisadores que ganharam o Nobel em 1995 pela descoberta de que o CFC destrói a camada de ozônio (Mario Molina, Sherwood Rowland e Paul Crutzen) foram muito criticados. Mas eles se mantiveram firmes na pesquisa e na comunicação das descobertas que fizeram. Mas não foi fácil para eles.
Como você percebeu que poderia transformar o Protocolo de Montreal numa arma contra as mudanças climáticas?
Há 20 anos estou envolvido no painel que avalia o estado da camada de ozônio e quais medidas podem ser tomadas. Em 2005, um relatório do IPCC foi publicado sobre a interação entre mudanças climáticas e o buraco na camada de ozônio. Isso me mostrou que a interação era grande, que o trabalho que foi feito para proteger a camada de ozônio afetava o clima.
Em 2007, nós publicamos um artigo que mostrou que a redução da emissão de CFC, que também é um gás de efeito estufa, teve um impacto positivo no clima maior que o Protocolo de Kyoto. Ou seja, o Protocolo de Montreal, assinado para reverter a destruição da camada de ozônio, foi seis vezes mais eficiente que o Protocolo de Kyoto, assinado especialmente para reduzir emissões de gases estufa.
Em 2009, um outro artigo mostrou o perigo dos HFC, o seu potencial de crescimento em emissões, e como isso poderia acabar com todos os benefícios que a abolição do CFC tinha trazido. Então o HFC entrou na agenda do Protocolo de Montreal e demorou sete anos até que esse resultado científico virasse uma decisão política.
Você não se limitou ao trabalho de laboratório, e arriscou falar a língua dos políticos nessa negociação.
No começo, era difícil. Parceria mais uma feira de Natal, em que alguém chega, faz um anúncio e acaba. Por outro lado, há pessoas muito inteligentes nesses encontros, que têm um objetivo do ponto de vista políticos. Na plenária não há interação. São nas salas fechadas que ela acontece.
Eu tentava entender por que os países se opunham, as verdadeiras motivações: é político, é dinheiro? Entender os bastidores é muito importante também para minha pesquisa.
Quando a ideia foi proposta, ela foi rejeitada. Foi dito que era uma questão climática, deveria ser discutido na arena específica.
Numa tarde durante a reunião em Kigali (capital de Ruanda, onde a revisão sobre eliminação progressiva do HFC foi assinada), no ano passado, vi os negociadores indo para uma sala, não podia entrar, mas vi a programação. Vi as propostas que estavam na mesa, voltei para meu computador e comecei a calcular. Peguei os resultados, falei com a delegação americana, da Holanda, do Reino Unido, mostrei os resultados, e eles apresentaram nas negociações.
Em Kigali, os Estados Unidos estavam presentes e eles têm uma regulamentação para limitar as emissões de HFC. Ainda não ouvi dizer que Trump quer sair do acordo. O importante: a indústria americana está no acordo.
A ciência agora pede urgência pra acabar com as emissões de gases estufa. O clima está mudando muito rápido, e a reação política não está acompanhando esse ritmo. Estamos numa armadilha?
Precisamos estar preparados. Mesmo com o Acordo de Paris limite o aquecimento em 2˚C, o clima já está mudando. O nível do mar vai continuar subindo porque o oceano responde mais devagar, a temperatura vai subir pelo menos 2˚C se a gente não fizer nada. Nós temos que nos adaptar a um clima em transformação.
Mesmo se fizermos tudo para prevenir as mudanças climáticas, não podemos pará-las. Temos que fazer tudo: mitigar as emissões, evitar situação pior, mas temos que nos adaptar, principalmente as ilhas mais vulneráveis. Na Holanda, nós podemos construir diques, conseguimos manter a água longe, temos tecnologia e dinheiro. Mas em ilhas como Maldivas? Onde os diques poderiam ser construídos? Não há como.