Novos desafios da UE põem ajuda aos pobres em xeque
2 de maio de 2004Desde os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, a União Européia vem mudando sua prioridade em política exterior, o que preocupa as organizações não-governamentais de ajuda ao desenvolvimento. A segurança da comunidade e internacional assumiu papel de relevância em detrimento do combate à pobreza, denunciam as ONGs e outras instituições do setor de cooperação para o desenvolvimento.
De acordo com o presidente da federação das ONGs alemãs do setor (Venro), os programas de apoio ao desenvolvimento somam 60 bilhões de dólares em todo o mundo. Para Reinhard Hermle, é pouco. O mundo precisaria investir no mínimo o dobro para cumprir a meta acertada em 2000 com a ONU de reduzir à metade a miséria no planeta até 2015.
Mais da metade dos recursos vem da União Européia e de seus países-membros. Entretanto, as ONGs denunciam uma mudança na destinação das verbas. "Raros são os países pobres que desfrutam da maior fatia da ajuda financeira da UE. Os recursos vão sobretudo para onde a UE tem interesses econômicos e de segurança", ou seja, os vizinhos no Leste Europeu e no sudeste mediterrâneo da Europa, afirmam Hermle, da Venro, e Thomas Lawo, secretário-geral da Eadi (Associação Européia de Institutos de Pesquisa do Desenvolvimento).
Para onde vai o dinheiro
Alexander Baum, da Comissão de Orçamento e Planejamento Estratégico da Comissão Européia, confirma que, desde os anos 90, há um incremento nos recursos destinados pela UE e seus membros para os países vizinhos, em especial para a região dos Bálcãs (ex-Iugoslávia) e a antiga União Soviética, inclusive oito novos integrantes da comunidade européia.
Em contrapartida, a ajuda destinada à Ásia e à África vem caindo. Já a América Latina recebeu mais verbas na década de 90 do que na anterior, devido à entrada de Portugal e Espanha na UE, supõe Baum.
Sem citar cifras, ele nega entretanto que a Comissão Européia em si venha sacrificando a África, continente com maior concentração de pobres. Segundo Baum, são os países-membros que têm de fato reduzido suas ajudas aos povos ao sul do Saara. O volume de recursos saídos dos cofres da UE em Bruxelas para a África permanece nominalmente quase constante, embora em termos percentuais haja uma queda. Para o cientista político Hermle, no entanto, se o orçamento da UE cresce, o combate à pobreza também deveria beneficiar-se disto e receber mais verbas.
Tropa de paz como ajuda ao desenvolvimento
O presidente da Venro e o secretário-geral da Eadi também reclamam de desvirtuamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento. "Um exemplo atual é a destinação de seus recursos para o financiamento de tropas de paz na África", protestam. Mas "não há dúvida de que a política de paz européia e a política de combate à pobreza" estão interligadas, argumenta Alexander Baum, da Comissão de Orçamento e Planejamento Estratégico da Comissão Européia. A Alemanha teria sido o único país a contestar o "desvio", segundo Hermle.
O presidente da federação de ONGs diz ser legítima a preocupação da UE com segurança, assim como seus interesses no Leste Europeu, mas critica que estes prejudiquem a tradicional cooperação para o desenvolvimento. "A melhor política de segurança, e também mais em conta, é uma eficiente política orientada para o combate à pobreza", ressaltam Hermle e Lawo.
Incoerência no setor agrícola
E neste ponto ambos clamam por coerência. "Desde o Tratado de Maastricht este princípio está ancorado nos acordos da UE", mas até agora não passa de "boa intenção". Como exemplo, citam: "A UE e seus membros ainda investem dez vezes mais no apoio a sua agricultura do que em cooperação para o desenvolvimento." Ou seja, a ajuda aos camponeses africanos acaba neutralizada pelo protecionismo e pelas subvenções à agricultura na Europa.
Alexander Baum admite o nó. "O Tratado de Maastricht foi muito ambicioso", e as políticas setoriais da UE apresentam realmente muitas contradições, diz o integrante da Comissão de Orçamento da UE. Baum diz que se tenta resolver os conflitos politicamente.
Polêmica sobre causa da pobreza
Em debate promovido pela Venro e a Eadi em Bonn na última quinta-feira (29), ficou claro que entre as diferentes correntes políticas existem divergências na análise das causas da miséria mundial e como combatê-las.
Enquanto Frithjof Schmidt, do Partido Verde, aponta a pobreza como herança do colonialismo europeu – e portanto, a Europa teria obrigação de ajudar –, Martin Wilde, da União Democrata Cristã (CDU), responsabiliza as elites nacionais e a corrupção.
Segundo Schmidt, também não se trata de ajudar por questão de caridade, mas de necessidade da própria Europa para sua sobrevivência de que os países pobres se desenvolvam.
Condição: democracia e direitos humanos?
Também a democracia e o respeito aos direitos humanos como critérios para a concessão de verbas de ajuda ao desenvolvimento foram polêmicos. O conservador Wilde lembrou que a Europa está interessada agora no combate à pobreza no mundo árabe para reduzir o número de seguidores potenciais de Bin Laden, sem porém contestar a estrutura sociopolítica nesses países. Como exemplo, citou a Arábia Saudita, onde mulheres não podem sequer tirar carteira de motorista.
Já Michael Dauderstädt, da Fundação Friedrich Ebert, de cunho social-democrata, surpreendeu a platéia ao referir-se à China como o país que mais tem obtido êxito na luta contra a pobreza, apesar de lá não haver democracia. Joachim Lindau, da ONG evangélica Pão para o Mundo (Brot für die Welt), igualmente questiona o boicote a países não democráticos. "Não se consegue combater a pobreza de forma duradoura quando se pune a população por seu governo, de cuja escolha raramente participam", argumenta.