Filme
7 de abril de 2009Santa Maria, uma cidade portuária fictícia, está afundada no caos, embora as fachadas de suas edificações ainda brilhem majestosamente no azul profundo da noite. No entanto, começa uma epidemia de cólera e depois que o governo é derrubado a anarquia toma conta do lugar. Grupos rivais lutam pelo poder, uma polícia secreta cruel está enfurecida. Todos são suspeitos e cada um pode considerar o outro culpado.
Sem dúvida, o novo longa do cineasta Werner Schroeter – Diese Nacht (Esta Noite) – é um filme sombrio, uma parábola sobre a ganância e a autodestruição. Não por acaso, o diretor de 64 anos, com câncer em estágio avançado, antepôs a seu filme uma citação de Shakespeare que fala do temor como o maior entre todos os milagres. Afinal, é através dele que o homem percebe que a morte, o maior de todos os destinos, "chega quando quiser".
Medo, abandono e anseio de fuga
O medo, diz Schroeter, é a mais terrível forma de exercício de poder. "Através do medo, pode-se reger as pessoas à morte. O medo é a base de toda ditadura e de todo sistema absolutista", diz o diretor.
Seu filme, baseado num romance do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti, tem como protagonista o médico Luis Ossorio Vingale. Ele é o herói de um movimento de resistência fracassado, que retorna a Santa Maria em busca de seus amigos de então e de sua antiga namorada.
Não só a situação na cidade sitiada mudou; seus amigos também mudaram. Enquanto uma milícia desenfreada terroriza a cidade, cada um tenta apenas salvar a própria pele. Também Ossorio tenta fugir no fim. E a ele só resta uma noite.
Esta Noite: ópera em grande estilo
O filme de Schroeter é o protocolo de uma descida ao inferno. O poder antigo foi destituído, o novo poder ainda não surtiu efeito e nesse período de transição todas as regras são abolidas. Diese Nacht é uma ópera em grande estilo, uma obra de arte completa multimídia num cenário noturno imponente, com cenas esteticamente radicais de violência e muita música clássica: um delírio de cores de sensações.
A trilha sonora, porém, não é de forma alguma apenas acompanhamento da narrativa, acentua Schroeter. "Ela é usada aqui de forma bastante crítica. Prelúdios, de [Franz] Liszt, simboliza a violência do regime de terror; o concerto de violino de [Ludwig van] Beethoven, as vítimas. A música as envolve como uma capa protetora", explica o cineasta.
No fim, um navio enorme, no qual os habitantes de Santa Maria queriam fugir, deixa a cidade sem um único passageiro a bordo. É possível acreditar que se trata da despedida da utopia de um humanismo, embora o diretor de 64 anos insista que não gostaria de ser compreendido de forma tão pessimista assim.
Pois Schroter acredita, por fim, na vitalidade do amor e no princípio da esperança. "A esperança é a última que morre. A utopia tem que ser mantida, pois pensar em mudança é uma necessidade natural do ser humano", acentua o diretor.
Autora: Kirstin Liese
Revisão: Simone Lopes