Em nome da agricultura
26 de maio de 2011A mesma plateia que aplaudiu as iniciativas brasileiras para frear o desmatamento e impulsionar o mundo rumo ao desenvolvimento sustentável, agora volta a olhar o cenário com preocupação.
"O afrouxamento das leis ambientais para favorecer a agricultura terá uma repercussão negativa. Afinal, o aumento da produção (agrícola e pecuária) terá um custo ambiental à custa da Amazônia, que tem toda essa percepção no exterior", avalia Fabíola Zerbini, secretária-executiva da Forest Stewardship Council, FSC, no Brasil.
A organização é baseada em Bonn, na Alemanha, e no Brasil é conhecida como Conselho Brasileiro de Manejo Florestal. O selo da FSC é encontrado em diversos produtos nos supermercados europeus, originários de florestas com manejo certificado – com garantia de boas práticas ecológicas, benefícios sociais e viabilidade econômica.
A Europa, que recebe boa parte dos produtos agrícolas e da carne de origem brasileira e exige cada vez mais responsabilidade ambiental, pode voltar a ficar desconfiada. Em conversa com a Deutsche Welle, Marina Silva faz uma previsão pouco animadora.
"O desmatamento vai aumentar, com prejuízo para as florestas, para a biodiversidade, para os recursos hídricos e prejuízo duplo para a agricultura, porque mina as bases naturais do nosso desenvolvimento e também porque, novamente, o agronegócio brasileiro vai ser associado ao desmatamento", advertiu nesta quarta-feira (25/05) a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.
Amarras para agricultura
O tema é controverso. Flávio Viegas, presidente da Associtrus, Associação Brasileira de Citricultores, diz que o setor é a favor do novo texto, aprovado na madrugada desta quarta-feira. "E rejeitamos a pecha de antiambientalistas e destruidores da natureza. A nossa posição é a do Brasil, de forma geral", disse à Deutsche Welle.
O setor é responsável por 60% da produção mundial de suco de laranja, e faz do Brasil o campeão de exportações do produto. Segundo Viegas, o cenário brasileiro de citricultura é composto por 90% de pequenos produtores, cujas propriedades têm menos de 60 hectares.
Na visão da Associtrus, o Código Florestal vigente, de 1965, destoa da realidade da agricultura brasileira. "E inviabiliza muitas atividades. Em Santa Catarina, por exemplo, as maçãs são plantadas em encostas. O café é plantado em região de encosta em Minas Gerais. Quanto à produção de leite, os pastos ficam em encostas de montanhas", argumenta Viegas, se referindo à proibição de atividade econômica em área de proteção permanente, APP, conforme a lei ainda vigente e prestes a mudar.
Entre os produtores de laranja, o desrespeito mais comum ao código é a ausência de reserva legal. Segundo a legislação, toda a propriedade é obrigada a manter uma área de mata nativa que não pode ser desmatada. O novo texto aprovado pelos deputados isenta os pequenos produtores da obrigatoriedade de recompor a reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais – um módulo pode variar de 40 hectares a 100 hectares.
Na contramão
Marina Silva não se deixa convencer pelos argumentos dos produtores e vê, ao longo de todo o texto da proposta do novo código, pequenos incentivos para o aumento do desmatamento. A suspensão do embargo automático, por exemplo, é um dos pontos citados pela ex-ministra.
Segundo o decreto assinado ainda no governo Lula, quando o Ibama constatava um desmatamento ilegal, a área em questão era embargada. "Quem plantasse, comprasse e transportasse os produtos dessa área era passível também de ser punido. E automaticamente os créditos para os embargados eram vedados. Agora isso tudo está suspenso."
Para Flávio Viegas, a legislação atual beira a inviabilidade. "Gostaríamos que esse Código Florestal brasileiro fosse aplicado em todos os países do mundo, inclusive na Europa, o que seria inviável. O nível de proteção no Brasil é muito superior ao da Europa. "A representante da FSC chama a atenção para outro caso polêmico – e que envolve os europeus: "A China nunca priorizou o meio ambiente, mas todo mundo continua comprando os produtos agrícolas chineses."
No caso do Brasil, que propaga internacionalmente uma postura mais sustentável, o caso pode ser diferente. "Se haverá efeito comercial, não podemos dizer. Mas pode ser que venham retaliações do campo público", supõe Fabíola Zerbini.
A decisão final sobre as alterações do Código Florestal vai passar pelas mãos de quem é considerado o maior plantador de soja do mundo. Blairo Maggi, empresário e senador, foi eleito pelo Mato Grosso – estado responsável por 480 km2 do total de 593 km2 desmatados na Amazônia entre março e abril de 2011, segundo dados de satélites do Inpe. O Senado prevê que a discussão do texto possa durar até quatro meses, antes de seguir para a sanção da presidente, Dilma Rousseff.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer