Mulheres ocupam trincheiras em Kiev
28 de janeiro de 2014A neve na rua Hrushevskoho, na capital ucraniana Kiev, ficou preta, assim como os rostos, enegrecidos pela fumaça, daqueles que permanecem atrás das barricadas. Há dias, os manifestantes da oposição do país queimam pneus na tentativa de evitar serem atacados pela polícia.
Atualmente, um trecho de 200 metros da rua é um dos pontos mais perigosos da capital, em razão dos choques entre manifestantes e forças do governo. Nesse local, as balas da polícia causaram as primeiras mortes da convulsão política na Ucrânia. Centenas de pessoas ficaram feridas.
Os manifestantes utilizam essa parte da rua como base para atirar coquetéis molotov contra as forças policiais, que respondem com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Entre as trincheiras, centenas, talvez milhares de ucranianas tomam parte nos protestos. Nada parece detê-las – nem as temperaturas congelantes, abaixo dos 10 graus negativos, nem as explosões e tiroteios. Ao contrário dos homens, que costumam usar capacetes, muitas podem ser vistas se deslocando sem qualquer proteção.
A professora e a economista
Entre as barricadas, duas mulheres carregam uma grande cesta de plástico com sanduíches, oferecendo pão com bacon aos manifestantes.
Uma delas, Halyna (os nomes foram modificados pela reportagem), é professora em Kiev, e tem idade pouco acima dos 50 anos. Sua companheira, Natalia, que tem em torno de 30 anos, trabalha como diretora financeira de uma empresa local.
Elas se conheceram no Maidan Nezalezhnosti, a Praça da Independência de Kiev, o epicentro dos protestos no país. Ambas são voluntárias e vestem máscaras para não serem reconhecidas. Um tribunal do país proibiu os protestos no local, e novas leis ameaçam colocar opositores do governo atrás das grades sob a alegação de "extremismo”.
"Estamos aqui para que nossas crianças possam viver em um Estado europeu pacífico", conta Halyna, que é mãe de dois filhos já adultos. Ela está de férias e, todos os dias, passa algumas horas na Rua Hrushevskoho, também chamada de Maidan pela oposição, no sentido de "área de contestadores ocupada".
"Nós não vamos às áreas onde há tiroteios. As mulheres não são permitidas lá", conta a professora. Quando a situação se agrava, os homens bloqueiam a entrada das mulheres nas áreas próximas às barricadas.
Natalia conta que veio ao Maidan para mostrar solidariedade aos opositores do governo que protestam contra o presidente Viktor Yanukovytch.
"Fazemos o possível – preparamos sanduíches e entregamos aos manifestantes", explica. Os maridos das duas mulheres sabem que elas vêm ao Maidan.
Natalia diz que não teme os tiros e explosões ao seu redor. Ela frequenta o local nos fins de semana e após o trabalho. "Se tivermos medo agora, teremos medo a vida toda."
Logo em seguida, um manifestante alerta para um atirador posicionado no alto de um edifício, e todos olham para cima. Algumas vaias são ouvidas. Halyna e Natalia parecem não se incomodar e continuam seu trabalho.
A dona de casa
Poucos metros adiante, Marina ajuda a remover o gelo da rua. Ela tem 35 anos e é mãe de dois filhos, de nove e dois anos de idade."Estou aqui por causa dos meus filhos", conta. "Quero que eles vivam em um país democrático e não em uma ditadura."
Marina é dona de casa e também trabalha em uma loja que vende artigos para crianças. "Venho com meu marido todos os dias. Também trazemos nossos filhos."
É assim desde o início dos protestos, no fim de novembro de 2013, conta a dona de casa. Dezenas de milhares protestam em Kiev contra a decisão do presidente de se aproximar da Rússia em detrimento de um acordo de associação com a União Europeia.
Marina se diz ultrajada, principalmente em razão das vítimas que morreram nas barricadas da rua, mas afirma não ter medo. "Não posso simplesmente ficar em casa", diz.
A designer gráfica
Oxana está de pé no final da rua, a 50 metros da fogueira de pneus. "Por favor, sem fotos", pede. "Senão, minha mãe vai me reconhecer, e ela não pode saber que estou aqui."
A designer gráfica tem cerca de 20 anos, mora em Kiev e tem uma filha de cinco anos. "Vim aqui por causa do desespero. Não imagino viver em um país em que as coisas aconteçam da maneira como estão acontecendo na Ucrânia agora", desabafa.
Oxana comparece ao Maidan e à Rua Hrushevskoho todos os dias após o trabalho e nos fins de semana. Às vezes ela traz consigo a tradicional sopa ucraniana Borsch, à base de repolho e beterraba.
Certa vez ela veio ao centro dos protestos durante a noite, o que resultou em uma briga com seu marido. "Ele não queria falar comigo e disse que eu estava louca", contou, sorridente.
Mas a jovem bem vestida não parece estar maluca. Parece mais alguém que não consegue evitar a presença entre os manifestantes.