'Noite sagrada uma ova!'
25 de dezembro de 2009O Natal é o ponto alto no calendário religioso da Alemanha. Muitas das tradições, imagens e melodias cultivadas ao redor do mundo têm sua origem nos países de língua germânica. Estrelas cintilantes decorando a árvore, um angélico bebê de cabelos claros, presentes embalados com esmero, canções entoadas por coros de igreja – na Alemanha, tudo isso faz parte das festividades em torno do nascimento de Jesus Cristo.
Entre 1933 e 1945, sob o Terceiro Reich, o Natal era exatamente tão popular quanto hoje. Só que a homenagem ao nascimento de um menino semita – ainda que celebrado como o Redentor cristão – era coisa difícil de conciliar com as máximas e metas dos nazistas no poder. Em consequência, os ideólogos de Adolf Hitler decidiram extirpar o simbolismo cristão da festa.
Julfest
O Centro de Documentação Nacional-Socialista de Colônia lançou uma exposição especial sobre o Natal na propaganda política. "Von wegen Heilige Nacht!" ("Noite sagrada uma ova!") vai até 17 de janeiro de 2010 e documenta a tradição natalina durante o Terceiro Reich.
Jürgen Müller, que encabeça a equipe de pesquisadores da mostra, confirma: "Celebrar o nascimento de um judeu era impensável para os nazistas". Mas a festividade era popular demais para que se permitissem bani-la. "Portanto, decidiram corrompê-la", define.
Primeiro, os cabeças do regime tentaram suprimir todas as tradições cristãs. Eles rebatizaram o Natal como Julfest e propagaram as raízes germânicas da celebração da luz em 21 de dezembro, o solstício de inverno. Como, no entanto, para a maioria das famílias alemãs o espírito cristão continuou predominando, foram forçados que mudar de tática.
Jesus ariano
Os nazistas reinterpretaram as imagens clássicas do Menino Jesus com José e Maria, seus amorosos pais, como o modelo da família ariana, à qual conferiam significância quase sagrada. E assim o foco natalino deslocou-se de Cristo para a família.
As Igrejas, apesar de indignadas com os esforços do regime para solapar crenças centrais da Cristandade, eram impotentes para protestar contra o curso dos eventos. "A reação da Igreja não foi muito pronunciada. Por volta de 1936-1937, o governo nazista era tão poderoso que sua possibilidade de resistir era mínima", lembra Müller.
Nenhum aspecto das festividades natalinas permaneceu a salvo do simbolismo nazista. A árvore, há muito um componente central do culto, foi despida de suas decorações tradicionais. Estrelas, anjos, sinos, frutas e doces foram substituídos por cruzes suásticas e ornamentos em forma de canhões, granadas e aviões de combate. No topo, em vez de um anjo ou estrela, uma águia dourada de asas abertas, símbolo nacional alemão. Até mesmo o papel de presentes era ilustrado com simbolismo nacional-socialista.
Letras nazistas que persistem
O ornamento mais difícil de reprimir foi a estrela: a tradicional, natalina, de seis pontas, lembrava demais a estrela amarela que os judeus eram obrigados a portar, para identificação imediata. As de cinco pontas evocavam a estrela vermelha do inimigo soviético. A solução foi banir inteiramente esse tipo de forma geométrica.
Também as eternas canções de Natal foram devidamente descristianizadas por compositores ligados ao sistema. "Algumas ganharam novas letras, outras foram completamente recriadas", explicou à Deutsche Welle Barbara Kirschbaum, do Centro de Documentação Nacional-Socialista de Colônia.
Uma das canções transformadas, Es ist für uns eine Zeit angekommen (Chegou um tempo para nós) continua popular. Quem até hoje a canta, mesmo nas igrejas, na versão nazista, em princípio não tem consciência da história por trás da letra, observa Kirschbaum.
Lições para o presente
Segundo a funcionária do centro de documentação, com a atual exposição se tenta descobrir o que é possível aprender através do modo como os nazistas manipularam o imaginário natalino. E aguçar a percepção para os mecanismos em jogo. Kirschbaum insiste que se compreenda que são as pessoas a configurar a história, e que a propaganda é usada para reescrevê-la.
"Geralmente, os visitantes mais idosos ficam primeiro tocados pelas lembranças infantis que os objetos reavivam. Mas gradualmente veem o propósito por trás das coisas, algo de que não se deram conta quando eram jovens. E isso os assusta: perceber o uso que se fazia das coisas, e como suas crenças de criança eram usadas para os fins de propaganda."
A reação dos mais jovens à mostra é ainda mais drástica. Jonas Rahimi, de 15 anos, revelou estar chocado pelas marcas profundas que o nazismo deixou nas festividades de Natal da Alemanha. "Os nazistas realmente impingiam seus pontos de vista radicais em todas as partes da vida. Havia até um joguinho de guerra para as crianças. Estou muito chocado", comentou o colegial, completando achar importante as pessoas lembrarem o que aconteceu, "pois foi crucial, e não deveria cair no esquecimento".
Autor: Faith Thomas (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer