Cargueiros são nova tática no tráfico de refugiados
4 de janeiro de 2015Os 360 refugiados sírios do navio de carga Ezadeen estão em segurança, as autoridades da Itália os distribuíram por diversos abrigos no sul do país. Eles foram resgatados na noite de quinta-feira (02/01) pela guarda costeira italiana, após serem descobertos na embarcação à deriva, a mais de 150 quilômetros da cidade litorânea de Crotone.
É a segunda vez, em poucos dias, que traficantes de pessoas abandonam centenas de refugiados ao próprio destino, num navio velho, em águas europeias. Agora, a União Europeia se mostra alarmada com a nova tendência.
É óbvio que os contrabandistas, com seus cargueiros prontos para virar sucata, passaram a apostar numa nova tática. Segundo Karl Kopp, encarregado de assuntos europeus da ONG de direitos humanos Pro Asyl, trata-se de "uma reação ao fato de a Europa não manter a Mare Nostrum na Itália. Agora, a indústria de traficantes trilha um novo caminho".
Política "cínica"
Mare Nostrum é o nome de uma operação de resgate marítimo iniciada pelo governo italiano, como reação à morte de mais de 400 refugiados na costa da ilha de Lampedusa, em outubro de 2013. Nas últimas semanas, porém, a iniciativa vem arrefecendo, pois Roma não está disposta a arcar sozinha com os custos mensais de 9 milhões de euros.
Desde o terceiro trimestre do ano passado, a missão Triton, da UE, assumiu uma parte das tarefas envolvidas. Sete navios, quatro aviões da guarda costeira e um helicóptero foram colocados à disposição da agência europeia de proteção de fronteiras Frontex para esse fim.
Entretanto, ao contrário da Mare Nostrum, a Triton só pode atuar no litoral europeu e não diretamente diante da costa da África Setentrional. Assim, o lento fim da Mare Nostrum deverá aumentar ainda mais os perigos da travessia para os refugiados.
"[Os responsáveis] reduziram propositalmente as capacidades de resgate marítimo, aceitaram tacitamente a mortandade, e aí lamentam as novas estratégias dos contrabandistas. Isso é cínico", censura Kopp, da Pro-Asyl, em entrevista à DW.
Inverno e guerra na Líbia
O emprego de embarcações de carga pode ser uma reação a essa postura política. Contudo, elas também apresentam outras vantagens para os traficantes: ao contrário de velhos pesqueiros ou de simples barcos infláveis, os navios também navegam sob o duro tempo invernal, além de atravessar distâncias maiores.
A Frontex vê nas condições meteorológicas o motivo central para a tendência que seus peritos já vêm observando há um trimestre. "Ela não se deve ao fim da Mare Nostrum, e sim, presume-se, sobretudo ao tempo", declarou ao jornal alemão Süddeutsche Zeitungo diretor-gerente da agência de proteção de fronteiras, Gil Arias Fernández.
A utilização dos cargueiros pode ser também consequência da escalada da guerra civil na Líbia nos últimos meses. Com isso, a especialmente curta "Rota Mediterrânea Central", que vai daquele país até a italiana Lampedusa, se tornou cada vez mais perigosa para os traficantes, que preferem, então, escapar para portos longe da União Europeia. Segundo dados da Frontex, os barcos de refugiados têm zarpado preferencialmente da Turquia.
Mais caro, não mais seguro
A substituição de barcos infláveis precários por navios cargueiros teve igualmente efeitos sobre a organização das viagens clandestinas. Pois, antes, os contrabandistas simplesmente entregavam um telefone de satélite aos passageiros, deixando-os, de resto, sozinhos na perigosa travessia.
Colocar em curso uma embarcação de grande porte, por outro lado, exige uma tripulação profissional. Esta permanece a bordo nos primeiros dias, antes de acionar o piloto automático e desaparecer. No caso do Ezadeen, os tripulantes mantiveram sempre o rosto coberto.
Essa forma de travessia torna o tráfico humano, sem dúvida, mais caro – segundo as autoridades italianas, os passageiros do Ezadeen tiveram que pagar até 8 mil dólares. Porém, não necessariamente mais seguro: numa dramática operação, no último dia de 2014, a guarda costeira italiana salvou quase 800 refugiados do cargueiro Blue Sky M. O curso estabelecido no piloto automático, com as máquinas ainda em funcionamento, levava diretamente à colisão com os rochedos do litoral.