Tragédia
31 de março de 2009Nas imediações de três carcaças de embarcações encontradas após um naufrágio no Mar Mediterrâneo, a guarda costeira líbia recolheu pouco mais de duas dezenas de cadáveres, noticiou um jornal de Trípoli nesta terça-feira (31/03).
Estima-se, porém, que o saldo total do naufrágio ocorrido no Mediterrâneo seja muito mais alto. Segundo informações fornecidas por autoridades líbias, somente uma das embarcações que afundaram tinha 365 passageiros à bordo, embora fosse prevista para o transporte de apenas 75 pessoas.
Os refugiados, em sua maioria africanos, deixaram a Líbia a partir do porto de Sidi Belal, próximo a Trípoli, possivelmente rumo à Itália. Uma quarta embarcação que levava 350 passageiros conseguiu escapar do vendaval e seus passageiros puderam ser salvos. Segundo autoridades locais, entre as centenas de vítimas estão refugiados da Somália, Nigéria, Eritreia, Síria, dos países do Magreb (Marrocos, Argélia, Tunísia, Mauritânia e a própria Líbia) e dos territórios palestinos.
Equipamento de salvação insuficiente
A Organização Internacional para Migração (OIM), em Genebra, confirmou que há mais de 300 refugiados desaparecidos. Segundo representantes da organização, as embarcações já se encontravam em alto mar, o que impossibilitava que os tripulantes regressassem a nado até a costa. Nas embarcações, não havia equipamentos de segurança, como coletes salva-vidas, por exemplo.
O alto comissário para refugiados das Nações Unidas, António Guterres, lamentou a tragédia e salientou que a "temporada do tráfego humano" se inicia no Mediterrâneo (com o início da primavera no continente europeu). Segundo Guterres, foram enviados à Trípoli representantes das Nações Unidas para averiguar as razões da tragédia junto aos sobreviventes, que foram levados a campos de internamento nas proximidades da cidade.
Vítimas nunca serão encontradas
De acordo com a OIM, desde a noite do último domingo (29/03), uma grande número de embarcações de refugiados se pôs a caminho da Itália, sendo que alguns deles já chegaram ao destino. "Nunca saberemos exatamente quantas pessoas estavam nesses barcos, porque nunca serão encontrados todos os corpos", observou uma porta-voz da organização.
Segundo a OIM, na Líbia vivem até 1,5 milhão de refugiados ilegais, principalmente dos países da África Ocidental, bem como da Somália e da Etiópia. Muitos deles tentam a qualquer custo chegar à Europa. No ano passado, 33 mil refugiados do norte da África chegaram à ilha italiana de Lampedusa.
Verbas desperdiçadas
Rupert Neudeck, fundador da organização de ajuda humanitária Cap Anamur, criticou após a tragédia a política de refugiados da União Europeia. Em entrevista a um jornal de Munique, ele descreveu como "sem sentido" a política do bloco de manter as fronteiras sistematicamente cerradas à custa de proteção policial.
Neudeck critica também as tranferências de verbas da UE para os países africanos, teoricamente destinadas ao combate à imigração ilegal, o que acaba não acontecendo. Segundo ele, os donos do poder nos países africanos em questão não estão interessados na conjuntura econômica, nem tampouco em melhorar o nível de vida da população local. "Essas pessoas só querem incrementar seu próprio bem-estar, mantendo contas anônimas nos bancos suíços", completa Neudeck.
Caminho sem volta
Ele estima que os refugiados africanos pagam em média dois mil dólares por um lugar numa embarcação rumo à Europa. A passagem é paga geralmente pela família ou até mesmo por comunidades inteiras. Em troca, os imigrantes assumem o compromisso de enviar remessas de dinheiro à cidade natal quando chegam ao continente europeu. "Para eles não tem volta, pois mesmo se quisessem regressar, precisariam primeiro pagar as dívidas", explica Neudeck.
A Comissão da UE alertou os países-membros do bloco a se prepararem para um fluxo crescente de refugiados. Nos últimos dois anos não houve, durante o inverno europeu, nenhum recuo significante do número de embarcações de refugiados no Mediterrâneo, afirma, em Bruxelas, Michele Cercone, porta-voz da Comissão. Com isso, aumenta também o risco de tragédias como essa, completa Cercone.
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