Evolução trabalha às cegas
19 de junho de 2009Com seus mais de dois metros de envergadura, o pássaro plana majestosamente pelo céu. Mas alguma hora até o mais belo voo chega ao fim: o albatroz tem que aterrissar. Ele escolhe um local propício e começa a descer. Porém, tão logo o "rei dos ares" toca o solo, transforma-se num grotesco trapalhão, tropeça, escorrega, vira cambalhotas, se estatela no chão.
Por que a natureza não desenvolveu uma técnica de aterrissagem decente para esse voador genial?
A resposta é simples: porque o albatroz não precisa aterrissar com elegância. Essencial é que a ave resista ao processo sem sofrer ferimentos graves. Isso basta para que sobreviva e se reproduza, que é o que requer a difusão e o desenvolvimento dos genes. A perfeição é um luxo desnecessário, que a evolução não se permite.
Olhos de cérebro versus olhos de pele
Outro exemplo de "negligência evolutiva" é o olho humano. Um bom designer ou engenheiro fotográfico jamais teria projetado algo assim, observou o biólogo evolucionista inglês Steve Jones recentemente durante uma palestra na Universidade de Colônia.
Antes de incidir sobre a retina, a luz tem que primeiro atravessar um emaranhado de vasos sanguíneos e células nervosas. Para, apesar de tudo, obter uma boa imagem do mundo, o cérebro é que faz horas extras. Por isso o córtex visual, na parte posterior do crânio, tem como tarefa processar laboriosamente os sinais defeituosos.
"Isso não é simplesmente uma pequena falha, é uma pane total de construção. Criador reprovado!", exclama o professor londrino, provocando risos no auditório.
Haja saco
Tamanho desleixo construtivo se explica pela história evolutiva do olho humano, formado a partir de determinadas células cerebrais. O olho dos polvos, derivado de células da pele, prova que outras soluções seriam possíveis. Do ponto de vista evolutivo, os órgãos visuais dos cefalópodes nada têm a ver com os dos animais vertebrados; e a vantagem é que eles olham direto através da água, sem qualquer obstáculo.
Também a forma como muitos mamíferos machos carregam seus testículos pendurados é antes um "jeitinho" do que uma invenção genial da natureza. O corpo emprega grande quantidade de energia mantendo sua temperatura em torno dos 37 graus – para então constatar que é quente demais para o desenvolvimento e conservação dos espermatozóides.
A solução improvisada é bem conhecida: um saco escrotal pendendo livremente fora do corpo garante o frescor necessário aos gametas. Porém cria para os mamíferos machos uma área especialmente suscetível.
Construindo às cegas
Em seu livro A história de quando éramos peixes (Your inner fish), o paleontólogo Neil Shubin compara a evolução a uma montadora de automóveis sem departamento de engenharia. No início era o Fusca, que possuía tudo de que necessitava um carro popular na década de 1930.
Então os usuários passaram a exigir inovações constantes. Só que, em vez de projetar um novo modelo, foram-se acrescentando sempre mais acessórios e funções. O resultado é uma máquina "envenenada", cheia de extras. Mas que nunca será um automóvel realmente moderno.
Sem câncer, nem hemorróidas
Segundo o professor da Universidade de Chicago, foi mais ou menos assim que a natureza criou o ser humano. "Tome a forma física de um peixe, faça um upgrade, transformando-o num mamífero. E aí mude a construção até ele andar sobre duas pernas, falar, pensar e dispor de destreza digital extraordinária. A coisa só pode dar problemas."
O nosso "peixe interno" é um estorvo constante, afirma Shubin. O que não é de admirar, pois a coluna vertebral, que era ideal para o nado, teve que ser radicalmente reestruturada para o caminhar. E para sentar horas na frente do computador, então, ela é definitivamente inapropriada. A consequência são nossas famosas dores nas costas.
"Num mundo sem passado, nosso sofrimento seria bem menor", resume o paleontólogo. "Não haveria nem câncer, nem hemorróidas."
Autor: Michael Lange / Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler