Na Turquia, um lugar para os refugiados sírios recomeçarem
1 de setembro de 2013"Quando um avião passa no céu, meu filho se assusta. Quando ele vê ruínas na televisão, chora e se agarra na mãe. Ele chora muito."
Mohamad também tem lágrimas nos olhos. Oito anos atrás, o engenheiro de 47 anos e sua família foram buscar na Turquia abrigo da guerra civil em seu país, a Síria. Ele mal é capaz de expressar em palavras os horrores que presenciou: são brutais demais, até para um homem vivido como ele.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), a guerra síria já obrigou quase 2 milhões a se refugiarem no exterior, mais da metade deles crianças. Para essas pessoas, fugir da guerra não significa necessariamente escapar dela.
Sofrimento nos desenhos infantis
Quem visita uma escola para refugiados sírios, por exemplo, se depara com desenhos de guerra e sofrimento: mulheres chorando por seus maridos, tanques de combate e helicópteros do Exército atirando em homenzinhos indefesos. São montes de papel encharcado de preto e vermelho-sangue.
Em 2012, pesquisadores de Turquia, Estados Unidos e Noruega pediram às crianças de um campo de refugiados que desenhassem uma pessoa. Alguns deles acrescentaram, por iniciativa própria, sangue, lágrimas ou armas em seus desenhos.
"As crianças sírias estão crescendo com um sentimento de desconfiança, traição e medo", avaliaram os autores do estudo, Serap Özer e Selcuk Sirin, em artigo no jornal New York Times.
Na escadaria do centro de encontro educacional BZZ Kirikhan, no entanto, não há nem sombra de sangue ou lágrimas. Desenhos infantis mostram mulheres de véu na cabeça, homens de gravata, muitos sorrindo – todos em molduras coloridas. A cidade turca de Kirikhan fica logo na fronteira com a Síria, a 100 quilômetros de Aleppo.
Os filhos de Mohamad frequentam ali o curso de pintura. A tinta nem sempre cai só sobre o papel, mas também nas paredes do centro ou nos rostos dos pequenos alunos. Como a garotinha com dois corações nas bochechas; ou o menino que porta uma bandeira síria, pintada na testa, no nariz e na boca.
Acompanhamento psicológico
O alemão Petek Akman é encarregado do acompanhamento psicológico no BZZ. Antes, ele trabalhou durante seis anos para o Crescente Vermelho (a Cruz Vermelha nos países islâmicos) também em campos de refugiados. Segundo ele, eventos como uma guerra são altamente dramáticos, sobretudo quando as crianças perdem a sensação de segurança.
"Elas ouvem bombas, veem suas casas caírem e gente morrendo. E muitas vezes dizem: 'Meus pais também não são capazes de me proteger'. No entanto, crianças são resistentes, muitas vezes até mais duras do que os adultos", conta.
Para elas, lembra, é mais fácil retornar a uma vida normal por não serem tão conscientes das consequências da guerra. "As crianças são abertas para mudanças", diz Akman, que considera o apoio da família também fundamental.
Por isso, o BZZ se ocupa sobretudo dos adultos, oferecendo cursos de aperfeiçoamento profissional e de idiomas. Mohamad estuda turco e inglês uma vez por semana. Além disso, há torneios de futebol, cursos de teatro e pausas coletivas para o chá. Ao mesmo tempo, no andar de cima, as crianças se esbaldam nos tatames de borracha coloridos.
"Aqui as pessoas podem aprender coisas que talvez as ajudem no futuro. E durante algum tempo têm a chance de esquecer o que vivenciaram", relata Erdem Vardar, representante na Turquia da DVV International, federação alemã das escolas de formação para adultos (Volkshochschulen). Juntamente com outras organizações não governamentais, ela opera o BZZ em Kirikhan.
Auxílio alemão
Embora o centro só tenha sido inaugurado em meados de agosto, mais de 200 pessoas já se inscreveram em seus cursos. Até o fim de 2013, ele conta com o cofinanciameto pelo Ministério alemão de Desenvolvimento e pela diaconia Katastrophenhilfe.
"Mas educação e aconselhamento psicológico precisam muito mais do que quatro ou cinco meses para terem algum sentido", critica Vardar. Na região há diversas organizações humanitárias que oferecem comida, assistência médica ou abrigo, "mas as pessoas precisam de um lugar onde possam chegar e conversar entre si", sublinha.
Um lugar para "ser", mesmo estando fora da terra natal. Com determinação, Mohamad enxuga as lágrimas. "Eu aprendi a tranquilizar meu filho e as meninas abraçando-os com frequência e ficando calmo, eu mesmo", comenta. E sorri: sorrir traz alívio, torna as más vivências menos reais.
"Alguns dos meus vizinhos tiveram colapso nervoso, e as crianças ficaram histéricas, de puro medo." Mas Mohamad quer ser forte: por seu filho, por suas filhas – e também por ele mesmo.