Na Síria em guerra, ajuda após terremoto tem obstáculos
8 de fevereiro de 2023O sol ainda não tinha nascido quando um primeiro tremor violento acordou Khawla (nome fictício) e seus dois irmãos na cidade síria de Idlib. "Estávamos com tanto medo; no início não sabíamos o que tinha acontecido", diz ao telefone. "Não havia a opção de sair de casa. Meus dois irmãos estão doentes, o frio está congelante. Aonde iríamos?", questiona.
Então, junto com seus vizinhos, a família entregou o destino à sorte. A casa tremeu, mas ainda está de pé. "Muitos prédios agora correm ainda mais risco de desabar. Mas não há abrigos de emergência aqui, não há lugares seguros. Há pessoas que, por medo, estão na rua ou sentadas em seus carros desde ontem à noite", relata – mesmo a temperaturas baixíssimas.
Khawla, de 47 anos, é de Idlib, capital da província de mesmo nome, último reduto rebelde no noroeste da Síria, perto da fronteira turca. Imagens de sírios sendo retirados dos escombros se tornaram uma visão comum nos últimos 12 anos de guerra civil no país. Mas, desta vez, não foram ataques aéreos os responsáveis, e sim um fenômeno natural.
Centenas já morreram devido aos terremotos de segunda-feira (06/02) no norte da Síria, tanto em áreas controladas pelo governo quanto por rebeldes e islâmicos. E o número ainda deve aumentar.
Uso indevido de suprimentos de ajuda
Nesse meio tempo, ajuda humanitária começou a ser enviada para a Síria. Mas são várias as dificuldades, afirma Anita Starosta, consultora para a Síria da organização humanitária Medico International. Uma delas é levar auxílio a áreas controladas pelo regime de Bashar al-Assad, como a cidade de Aleppo.
O presidente sírio já prometeu ajuda e também pediu à ONU que apoie essa ajuda. "Mas isso significa que, nessas áreas em particular, não haverá como evitar a coordenação do auxílio via Assad, se vier do lado internacional." Algo problemático, segundo Starosta. "Porque sabemos pelo histórico que todo o dinheiro de ajuda que passa pelo regime e por Damasco também é usado para financiar a estrutura do regime – ou seja, para ajudar organizações ligadas à família Assad."
Tal situação foi experienciada principalmente durante a pandemia de covid-19, afirma o cientista político André Bank, do Instituto Alemão para Estudos Globais e Regionais (Giga, na sigla em inglês). O regime tentou controlar a vacina que chegava ao país, assim como outros insumos médicos, para depois distribuí-los a grupos selecionados.
"Isso mostra como o regime é seletivo e politicamente orientado. Basicamente, a única conclusão que se pode tirar disso é que os países ocidentais não podem cooperar com o regime", diz Bank. Segundo ele, já há indícios de que Damasco estaria tentando explorar o terremoto em benefício próprio.
"A organização de ajuda Crescente Vermelho Árabe Sírio, que é muito próxima ao regime, exigiu que as sanções impostas ao regime fossem suspensas para que a ajuda pudesse ser melhor prestada. Isso mostra o quanto a elite política em Damasco percebe a catástrofe, acima de tudo, estrategicamente."
O ativista sírio-alemão Safouh Labanieh é igualmente cético. Para ele, a experiência tem mostrado que o regime não tem vontade séria de ajudar os cidadãos. "Acho que agora estão tentando explorar a tragédia para monopolizar a ajuda e recuperar a legitimidade internacional."
A travessia na fronteira sírio-turca
A entrega de ajuda à província de Idlib – controlada por rebeldes, e não por Assad – também é complicada. Lá vivem cerca de 4,8 milhões de pessoas, e até agora tem sido difícil fazer chegar suprimentos até elas. Toda a ajuda humanitária a Idlib precisa passar por um ponto da fronteira turco-síria em Bab al-Hawa – o único garantido por uma resolução da ONU.
A fim de acelerar a entrega de ajuda também à Síria, a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, pediu que todas as passagens de fronteira entre a Turquia e a Síria sejam abertas. "Abrir as passagens de fronteira é algo central", afirmou Baerbock.
A proposta é viável, diz André Bank. "Existem mais de 20 pontos de passagem nessa fronteira extremamente longa. Do lado sírio, eles são controlados principalmente pelo opositor Exército Nacional Sírio. Estes são rebeldes moderados que também têm laços estreitos com a Turquia. Isso também evita a cooperação com o regime de Assad, a Rússia ou o Irã", afirma o cientista político.
Outra coisa importante, segundo ele, é que esses pontos de passagem ao longo da fronteira também não são controlados por grupos jihadistas como o Hayat Tahrir al Sham, uma organização sucessora da Al Qaeda. "Assim, o Ocidente pode ignorar muitos grupos com os quais não quer cooperar."
O papel da Turquia
Anita Starosta, da Medico International, concorda que a abertura de mais pontos na fronteira facilitaria a prestação de ajuda. Segundo ela, o abastecimento dos deslocados internos sírios que vivem ali já era mais do que precário mesmo antes dos tremores devastadores de segunda-feira.
"A ajuda que já estava sendo fornecida ali antes do terremoto não é suficiente e muitas vezes nem chega. Agora é inverno e frio. É por isso que as pessoas nos campos de refugiados da região, e também das áreas destruídas em Idlib, precisam mais do que nunca da ajuda internacional."
Em todo caso, diz Starosta, tudo depende de uma coisa: "A Turquia permitirá um corredor humanitário para trazer pessoas, refugiados, para a segurança? Ou manterá sua política de fronteiras fechadas? Infelizmente, é mais provável que este último aconteça."
Khawla e seus irmãos também não têm outra escolha a não ser resistir em Idlib. A síria de 47 anos está presa há anos na cidade dilacerada. "Às vezes são ataques de foguetes, às vezes a má situação econômica, e agora um desastre natural", diz ela com a voz embargada. "Não temos tempo para respirar fundo, para nos recuperar. Como uma pessoa pode suportar tudo isso?"