Na Argentina, conservadora declara apoio a ultradireitista
25 de outubro de 2023A candidata derrotada Patricia Bullrich anunciou nesta quarta-feira (25/10) que apoiará Javier Milei no segundo turno das eleições presidenciais da Argentina, que será disputado entre o ultradireitista e o ministro peronista Sergio Massa. Bullrich, uma conservadora "tradicional", terminou a disputa do primeiro turno com 23,8% dos votos, abaixo dos 30% de Milei e dos 36,7% de Massa.
O anúncio de Bullrich provocou fissuras em sua coalizão, com dirigentes de partidos aliados rechaçando a posição da candidata derrotada.
Ao anunciar sua decisão, Bullrich disse que pretende apoiar o que ela chamou de "a mudança" representada por Milei, um economista novato na política argentina que se notabilizou por uma campanha populista e agressiva e por propostas como a dolarização total da economia argentina.
"A urgência do momento obriga-nos a não sermos neutros", disse Bullrich em coletiva de imprensa. "A Argentina não pode iniciar um novo ciclo kirchnerista liderado por Sergio Massa", disse, em referência ao atual ministro da Economia, que é aliado do kirchnerismo. "Quando a pátria está em perigo, tudo é permitido", continuou, usando uma frase atribuída a José de San Martín, militar e estadista argentino do século 19.
"Temos diferenças com Milei, por isso competimos. No entanto, enfrentamos o dilema da mudança, ou da continuidade mafiosa. A maioria escolheu a mudança, nós a representamos", finalizou Bullrich, que é do mesmo grupo político do ex-presidente liberal Mauricio Macri (2015-2019) e que liderou uma campanha focada na segurança pública.
Ataques
Durante a disputa do primeiro turno, o ultraliberal Milei fez pesados ataques pessoais contra Bullrich, explorando e distorcendo o passado da atual política conservadora durante a ditadura. Nascida em uma família rica, Bullrich foi inicialmente membro da juventude peronista de extrema esquerda nos anos 1970. Durante a ditadura argentina, ela foi presa e chegou a se exilar no Brasil. Posteriormente, morou na Espanha.
Esse passado foi usado por Javier Milei na campanha, que acusou, sem provas, a rival de "terrorismo" e de colocar "bombas em jardim de infância". Bullrich sempre negou ter participado em ações de guerrilha.
Após a apuração indicar sua passagem para o segundo turno, Milei já havia feito acenos para o grupo político de Bullrich, argumentando que ambos têm um adversário em comum: o peronismo kirchnerista, o grupo político da ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Kirchner, de quem Massa atualmente é aliado, apesar de não ser exatamente membro do kirchnerismo.
"Todos nós que queremos mudanças temos que trabalhar juntos", disse Milei no domingo. Com o tom habitual da sua campanha, Milei afirmou que "o kirchnerismo foi a pior coisa que aconteceu à Argentina". "Há dois anos viemos disputar o poder contra a coisa mais desastrosa da história da democracia moderna. Durante todos esses meses, a campanha fez com que muitos de nós, que queremos mudanças, nos encontrássemos em conflito. Estou disposto a virar a página com o objetivo de acabar com o kirchnerismo", afirmou Milei.
Após o anúncio de Bullrich nesta quarta-feira, Milei publicou em sua conta na rede X (ex-Twitter) um desenho que mostra um leão e um pato abraçados – uma referência ao apelido de Patricia "Pato" Bullrich e o felino usado como símbolo pelos apoiadores de Milei.
Bullrich apoia, mas sua coligação é outra história
No segundo turno, os eleitores da conservadora Bullrich devem ser decisivos para a escolha do novo presidente. Somado, o eleitorado de Milei e Bullrich, dois candidatos de direita, somou mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno, o que sinaliza uma segunda rodada desafiadora para Massa.
No entanto, o apoio de Bullrich não significa que Milei pode garantir todos os votos da conservadora. A própria Bullrich esclareceu nesta quarta-feira que não falava em nome do seu partido, o Proposta Republicana (PRO), nem da sua coligação, a Juntos pela Mudança (JxC), que não é exatamente um bloco homogêneo.
Setores do PRO, especialmente aqueles ligados ao ex-presidente Macri, já vinham mostrando uma tendência de apoio a Milei. Mas o apoio não é monolítico. O atual prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, outra figura importante do PRO, já disse que não pretende apoiar Milei.
A situação também se repete dentro de outro membro importante da coligação, a União Cívica Radical (UCR), uma legenda de centro-esquerda não peronista, que, embora seja oponente do kirchnerismo, não é radicalmente contra no mesmo nível do PRO de Bullrich e Macri. Durante a campanha, Milei direcionou vários ataques à UCR, a quem chamou de "traidores". A liderança da UCR declarou em comunicado que não está de acordo com a decisão de Bullrich. “A UCR não apoiará nenhum dos candidatos. Nenhum deles garante um futuro de progresso para a Argentina", diz o texto. "É uma grande irresponsabilidade, não é quem fala em nome de 6 milhões de argentinos", criticou Gerardo Morales, governador da província de Jujuy e dirigente da UCR sobre Bullrich.
A posição de Bullrich também não reflete a da Coalizão Cívica, outro membro da JxC. Após o anúncio do apoio da candidata derrotada a Milei, a presidente da Coalizão Cívica, Elisa Carrió, rechaçou apoiar o ultradireitista. "Não vamos dar um salto no vácuo. Patricia [Bullrich] está cometendo um erro histórico", disse, acusando ainda o ex-presidente Macri de "destruir" a JxC por causa da aproximação com Milei. "Macri sempre jogou por Milei e pela destruição da JxC", disse a política, que defende o voto nulo no segundo turno.