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"Não se pode impingir democracia com violência"

Steffen Leidel / av25 de janeiro de 2005

A DW-WORLD entrevistou o ex-coordenador da ONU no Iraque Hans von Sponeck. Ele teme tumultos, porém não vê perigo de guerra civil após as eleições naquele país. E critica duramente o governo dos EUA.

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Hans von SponeckFoto: AP

DW-WORLD: A violência continua no Iraque. Mas há eleições marcadas para domingo (30/01). Até que ponto o momento é propício?

Hans von Sponeck: Olhando criticamente, eleições em 30 de janeiro não fazem o menor sentido. Ainda não estou certo de que haverá um pleito. Mas, caso ocorra, muitos, inclusive gente influente, colocarão em questão sua validade. Já se sabe que grande parte da população sunita se recusará a participar. O mesmo se aplica a certos grupos xiitas. Será uma confusão, com acusações e contra-acusações, haverá tumultos antes que se cristalize um governo aceitável pelo país.

Quão grande é o perigo de uma guerra civil após as eleições?

Hoje em dia, os conflitos, assim como os protestos e atentados – em parte de motivação étnica – formaram uma base mais ampla de confrontação entre xiitas, sunitas, curdos e outros grupos, como o dos turcomanos. Trata-se de um grande perigo para o país; mas continuo considerando mínimo o perigo de uma guerra civil. Mesmo na época de Saddam Hussein havia confrontações entre xiitas, sunitas e curdos. Mas esses grupos também conviveram pacificamente durante séculos, apesar das diferenças.

Bagdá é a maior cidade curda do mundo, com quase um milhão de curdos. Sempre houve uma mistura de etnias, no funcionalismo público, nas Forças Armadas, nas empresas. Nas cercanias de Bagdá não há comunidades de orientação estritamente étnica, fora Sadr City, a antiga cidade de Saddam, onde os xiitas imperam.

Que resultado o senhor prevê para as eleições? Os xiitas são considerados favoritos.

Não é nenhuma surpresa os xiitas influenciarem o resultado das eleições, já que representam 60% da população. Mas não há uma base comum ligando esses grupos, não há um grupo eleitoral xiita unificado. Existem 15 grandes partidos e alianças, entre as quais a Aliança Iraquiana Unida, formada sobretudo por grupos xiitas, de orientação clerical. Mas há os seculares e a Lista Iraquiana, dos xiitas em torno de Iyad Allawi. São inúmeros conflitos, que datam de muito antes do fim do regime de Saddam.

O maior problema continua sendo a violência interna. Até que ponto os próprios Estados Unidos são responsáveis por ela?

Verwundete US-Soldaten nach einem Anschlag während des Mittagessens einer Einheit in Marez bei Mossul im Irak
Soldados norte-americanos ajudam um companheiro ferido, em Bagdá, dezembro de 2004Foto: AP

Washington tem que reconhecer finalmente: não é possível impingir a um povo, com violência, a democracia e a liberdade de que Bush falou em seu discurso de posse de 20 de janeiro. O principal motivo para esse estado de coisas é o fato de os norte-americanos ocuparem o país, de eles não terem vindo – como alguns esperavam – na qualidade de libertadores. Há muito já se esqueceu que Saddam Hussein foi presidente. As pessoas se concentram na sobrevivência e notam que hoje em dia a qualidade de vida é pior, em diversos aspectos, do que na época das sanções econômicas.

Em Bagdá, fiquei sabendo que amplas zonas da cidade não têm água, as exigências básicas não são mais supridas. A cólera do povo cada vez mais se organiza e se espalha. É uma simplificação gritante atribuir tudo a um triângulo sunita. Não é verdade: em Basra, em outras localidades menores no sul, também há problemas. Pode-se dizer que atualmente a maior parte da população iraquiana se revolta contra os ocupadores, que não realizaram o que deles se esperava. A grande massa é contra, as pessoas querem sua liberdade, mas querem a liberdade do Iraque segundo suas próprias condições.

Os EUA deveriam se retirar, para conquistar confiança?

Considero esta uma questão puramente teórica; os EUA não vão se retirar. Mas se o governo Bush possuísse alguma sabedoria, poderia pensar no assunto. Seria inteligente dar sinais de que já se obedece a um cronograma de retirada, e se poderia retirar alguns batalhões, como gesto simbólico. Isso daria uma boa impressão. Mas não acredito que irá acontecer.

O senhor vê uma saída para a violência?

É preciso cuidado ao oferecer receitas. Mas tem-se que começar em algum lugar, é necessário mais diálogo. Há grupos moderados em torno do ex-ministro das Relações Exteriores Adnan Pachachi, que a ONU esperava tornar-se o líder do governo de transição. Em seu lugar entrou Allawi, um homem extremo, com passado obscuro. Seria necessário um diálogo muito mais intenso com os grupos. Os europeus deveriam se empenhar muito mais, e não estar sempre três passos atrás de seus colegas de pasta norte-americanos e britânicos.

Nos últimos anos os europeus – com exceção dos franceses – não desempenharam o papel que o mundo e o Iraque esperava deles. A União Européia se neutraliza continuadamente, devido aos diversos grupos que se formaram em torno da questão iraquiana. Não se chega a uma política européia comum, no tocante ao Iraque. O mal é essa neutralização dos opostos.

Porém não tenho dúvidas: a pedra fundamental de uma melhor situação de segurança estará lançada quando as tropas norte-americanas e britânicas se retirarem, e os iraquianos tiverem a sensação de ser senhores de sua própria situação. Entre todos os grupos que existem atualmente – monarquistas, comunistas, xiitas, curdos ou sunitas – ainda não surgiu uma figura capaz de liderar o novo Iraque.

Entre 1998 e 2000 Hans von Sponeck foi coordenador da ajuda humanitária no Iraque, pela Organização das Nações Unidas, e diretor do programa Óleo por Alimentos. Não mais desejando ser co-responsável pela fome e miséria da população civil, em conseqüência da política de sanções, ele entrou em conflito com os governos dos EUA e do Reino Unido, renunciando a seu posto em fevereiro de 2000. Ao todo Von Sponeck esteve mais de 30 anos a serviço da ONU.