“Não se espera do Brasil uma cena assim”, diz HRW sobre Pedrinhas
21 de janeiro de 2014A crise de segurança no complexo de Pedrinhas, no Maranhão, onde mais de 60 presos foram mortos desde o ano passado, demonstra um "descontrole total", afirma a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu.
"As condições carcerárias são uma preocupação em vários países. Mas não é comum casos de decapitação e tortura desta gravidade. Não se espera do Brasil uma cena como essa", defendeu a diretora, no lançamento do Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014 da ONG, em São Paulo, nesta terça-feira (21/01).
A diretora afirmou que a Human Rights Watch acompanha com preocupação o tema: "Como a gente viu no Maranhão, os presos e suas facções criminosas praticamente controlam o presídio". Segundo ela, é papel do Estado garantir a segurança dos detentos, e medidas simples, como a instalação de grades para separar os presos, podem evitar mais mortes.
Para a ONG, qualquer medida para conter a crise deve ser considerada, inclusive a "intervenção ou federalização dos crimes". "O Brasil não responde somente perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (entidade da OEA) por Pedrinhas, mas também por outros quatro complexos prisionais", disse Canineu.
Ela destacou o caso do Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul: “A população é o dobro do que comporta. Existem relatos de presos dormindo um em cima do outro, com esgoto dentro das celas”. Para Canineu, as condições do presídio podem desencadear uma tragédia como a ocorrida no Maranhão. A diretora afirmou que o tema deve ser prioridade para os governos.
Segundo dados da ONG, a população carcerária supera em 43% a capacidade dos presídios, e mais de 40% dos presos estão em situação provisória, ou seja, não receberam ainda uma sentença da Justiça.
Impunidade
Em sua avaliação, a Human Rights Watch aponta a impunidade como um dos principais motivos para as violações de direitos humanos no Brasil. “Dificilmente teremos uma mudança se os agentes souberem que nunca serão responsabilizados de fato por todas essas execuções e torturas”, diz. No relatório, o país foi criticado pela violência policial, inclusive na repressão aos protestos do ano passado.
A ONG lembrou os casos do assassinato da juíza Patrícia Acioli e do desaparecimento do pedreiro Amarildo, em que policiais envolvidos nos crimes foram condenados. “Isso mostra que medidas de punição são possíveis, mas o sistema de Justiça precisa colaborar com o Executivo. E o Ministério Público deve exercer sua função constitucional de controlar a polícia”, afirmou Canineu.
No plano federal, a ONG elogiou a adoção do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção a Tortura, que permite “uma maior fiscalização dos estabelecimentos de privação de liberdade, sejam eles civis ou militares, públicos ou privados”. Além disso, destacou a decisão do Governo do Estado de São Paulo de proibir a polícia de socorrer e remover as vítimas de confronto das cenas do crime. Com isso, o número de mortes em decorrência de intervenção policial reduziu mais de 30% no ano passado.
A ONG também reconheceu como um avanço o plano de metas do governo de São Paulo para a redução da criminalidade no que toca a bonificação de policiais.
LGBT
A diretora da Human Rights Watch no Brasil também mencionou a violência contra grupos LGBT como uma grande preocupação no país. “Vemos uma ameaça crescente, até mesmo na forma de leis”, explicou. Ela lembrou que, nos últimos três anos, foram registradas cerca de seis mil denúncias de violência deste tipo.
Neste cenário, Canineu recorda e aprova a decisão, no ano passado, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que proibiu cartórios de negar pedidos de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Apesar de a Human Rights Watch não ter ainda uma posição oficial sobre o rolezinho, a diretora da ONG no Brasil afirmou que está acompanhando o tema. “Pelas imagens que vimos, há evidências de que é discriminação”, disse sobre a proibição dos encontros em alguns shoppings.
Segundo ela, o direito a manifestação não é absoluto e pode ser restringido para proteger a propriedade e as pessoas. Entretanto, ressalta, a restrição deve ser aplicada de forma não discriminatória, tanto na Justiça, quanto na atuação policial.
“No princípio internacional, a força deve ser utilizada de forma proporcional à ameaça. Se os jovens não representam nenhuma ameaça, nem ao patrimônio e nem às pessoas, pode-se dizer que o uso da força é desproporcional e desnecessária”, argumentou.
Política externa
A ONG também criticou a política externa do Brasil em relação aos direitos humanos. “Notamos muitos avanços, mas não é uma trajetória consistente”, disse Canineu. A Human Rights Watch reprovou a decisão brasileira de não apoiar uma iniciativa, levada a cabo por vários países, de pedir ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que encaminhe as violações de direitos humanos na Síria ao Tribunal Penal Internacional.
Como aspecto positivo, Canineu apontou uma postura “cada vez mais ativa e firme” no Conselho de Direitos Humanos da ONU. A ONG acredita que o Brasil tem sido mais contundente em denúncias de violações, como no caso do Irã.
A diretora acrescentou a atuação do país na promoção do direito a privacidade. “O Brasil teve uma liderança incrível neste tema, sendo autor, junto com a Alemanha, de uma resolução no âmbito da Assembleia Geral da ONU contra essa vigilância indiscriminada exercida pelos EUA”, afirmou.