Mídia africana distancia-se das tragédias no Mediterrâneo
28 de abril de 2015A mídia africana é surpreendentemente reservada quando reporta sobre as dezenas de milhares de refugiados que se arriscam a cruzar o Mediterrâneo rumo à Europa. Manchetes de jornais de grande tiragem como The Star, de Johanesburgo, Pretoria News ou New Vision, de Kampala, em Uganda, sugerem que a responsabilidade pelo destino dos africanos está longe da África. "UE concorda com mais ações de salvamento" ou "Não há mais desculpas, adverte a UE", escrevem.
"A tragédia de barco não é apenas um problema da Europa", critica, de forma solitária, o intelectual Daily Maverick, da África do Sul. "O departamento de comunicação da União Africana (UA) tem muito a fazer nos dias de hoje: uma declaração sobre as eleições no Sudão, uma sobre o assassinato de etíopes pelo EI, outra sobre os ataques xenófobos na África do Sul. Um pouco de polimento para investidores, com a 'Agenda África 2063'", escreveu o jornal. "Mas nada sobre os barcos cheios de africanos que arriscam tudo para deixar o continente. Nada sobre as centenas de cadáveres flutuando no Mediterrâneo."
O Daily Maverick lembra, no entanto, que a UA e a União Europeia (UE) pelo menos esclarecem conjuntamente os refugiados ao longo das rotas de fuga. "A UA tenta convencer os imigrantes nos centros de refugiados de que não há um paraíso esperando por eles na Europa. Este é um bom começo, mas nada mais do que isso."
Uma análise não representativa indica que os ataques xenófobos na África do Sul ganharam cerca de dez vezes mais atenção da mídia do que as mortes de refugiados no Mediterrâneo. As duas coisas estão relacionadas: a busca de felicidade, trabalho, liberdade ou ao menos de estabilidade leva migrantes tanto para o norte como para o Cabo da Boa Esperança. Uma cultura de boas-vindas é algo que falta nos dois destinos. E em ambas as metades do globo, forças radicais colocam lenha na fogueira, com a lógica do "barco está cheio". Mas enquanto os ataques na África do Sul causam indignação em toda a África, a morte de milhares no Mediterrâneo quase não é debatida.
O jornal da Cidade do Cabo Cape Times fala sobre os contrabandistas de pessoas citando um traficante risonho da Eritreia, apelidado de General, que se justifica cinicamente. "Eles me acusam de levar pessoas demais a bordo, mas são elas que têm pressa em fugir." Outro traficante de pessoas, um etíope de codinome Ghermaya, se orgulha de como o negócio vai bem neste ano. "Eu já mandei para lá de 7 mil a 8 mil", afirma ao Cape Times. Segundo o veículo, a rede de Ghermayas faturou 100 milhões de euros em apenas dois anos.
O Sud Quotidien, do Senegal, procura saber os motivos dos jovens emigrantes. "Suas palavras de ordem são 'jihad', 'Barcelona ou morte' – algo que já diz muito. O que importa é sair, não importa para onde. O mar aberto como sinônimo da busca por sucesso. A morte cheira a paraíso. Eles usam o termo jihad para descrever o inefável: eles enfrentam uma aventura perigosa para garantir a felicidade da família, que fica em casa", escreve o jornal.
"O que os motiva não é tangível. Em seu desespero, os fugitivos experimentam uma grande felicidade. Eles estão entre dois fogos: a pobreza e a guerra. O gosto do perigo é a última esperança. Eles nasceram para morrer", prossegue o Sud Quotidien.
"Para que precisamos da UA?"
O jornal de asilados do Zimbábue The Zimbabwean acusa tanto a União Africana como a União Europeia de fracassarem. "A UE, hesita em salvar nossas crianças de traficantes de pessoas. Ela não vai concordar com uma abertura das fronteiras. E o estado deplorável dos governos africanos, liderados por ícones como Robert Mugabe [presidente do Zimbábue], vai continuar provocando uma enxurrada de refugiados para a Europa. A ajuda ao desenvolvimento para a África é, em grande parte, desperdiçada. Alguns desses bilhões devem ser diretamente gastos em zonas sob segurança da ONU, como no norte da África, por exemplo, onde os refugiados são resgatados, alimentados e instruídos – enquanto seus pedidos de asilo para a Europa são processados."
O jornal The Observer, de Uganda, sente falta de uma atitude clara e conjunta na África. "A realidade nos faz perguntar se os líderes africanos são capazes de controlar o destino do continente, de modo que já não sejamos mais a chacota do mundo. Lamentavelmente, a reação deles até agora dá pouco motivo para esperança. A União Africana não age como deveria, e sequer um único líder nacional, com exceção de Robert Mugabe, abre a boca. Onde e quando a UA convocará uma cúpula sobre os refugiados? Qual é o plano mestre da UA com relação à migração? Onde está a obrigação comum dos líderes africanos de acabar com o sofrimento de seu povo?"
O tema também é comentado pelo La Nouvelle Tribune, de Benin. "A chamada União Africana deveria simbolizar a unidade dos africanos e seu futuro cheio de esperança. Mas ela permanece em silêncio, está completamente ausente em questões importantes", analisa.
"Centenas e centenas de africanos fogem de conflitos e da pobreza causados por seus próprios governos para morrerem no mar. Se a Europa procura uma solução, é apenas por interesse próprio: para evitar uma invasão de imigrantes", continua. "Quem pode culpar a UE? Mas neste debate também está óbvio que justamente a UA, que é a mais afetada pelo drama, está ausente. Esta situação intolerável faz os africanos se perguntarem: para que precisamos da UA?"
A discussão, por vezes acalorada, nas redes sociais, especialmente na Deutsche Welle, mostra que as pessoas estão realmente preocupadas com o quanto a África está de fato fazendo em relação ao drama dos refugiados.