México aprova eleição de juízes por voto popular
11 de setembro de 2024O Senado do México eliminou na madrugada desta quarta-feira (11/09) o último obstáculo a uma controversa reforma judicial que prevê a eleição de juízes por voto popular no país, inclusive os da Suprema Corte – uma medida que críticos temem que possa ameaçar o Estado de Direito e prejudicar a economia.
Encampada pelo governo do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, a reforma foi aprovada após uma conturbada sessão que durou 12 horas e chegou a ser interrompida e deslocada para a antiga sede do Senado em meio a protestos da oposição e à invasão da Casa por manifestantes.
O que muda com a reforma
As primeiras eleições de juízes devem ser realizadas já em 2025. Mais de 6,5 mil cargos da magistratura serão preenchidos dessa forma – isso inclui a Suprema Corte, o Tribunal Eleitoral e o Tribunal de Disciplina Judicial.
No caso do Tribunal de Disciplina Judicial, trata-se de um órgão disciplinar ainda a ser criado e que terá o papel de fiscalizar sentenças. O novo órgão, com cinco membros e mandatos de seis anos, substituirá o Conselho da Magistratura Federal (CJF), que tem sete integrantes.
Qualquer pessoa formada em direito e com cinco anos de "experiência na área judicial" e uma carta de recomendação poderá submeter seu nome a um comitê de especialistas, que selecionará os candidatos de fato.
A reforma também reduz de 11 para nove o número de ministros na Suprema Corte e diminui a duração de seus mandatos de 15 para 12 anos, além de extinguir a idade mínima de 35 anos para o cargo.
A eleição de juízes é algo incomum. Nas Américas, segundo a agência de notícias Reuters, apenas a Bolívia tem um sistema semelhante.
A reforma também permitirá que julgamentos envolvendo o crime organizado possam ser decididos por juízes anônimos. A medida visa protegê-los de ameaças, mas entidades de defesa dos direitos humanos alertam que esse expediente atenta contra o direito a um julgamento justo, já que sem conhecer a identidade de um juiz não é possível saber se ele tem um eventual conflito de interesse.
O texto impõe ainda um teto de salários ao funcionalismo público do Judiciário, para que nenhum funcionário possa ganhar mais que o presidente da República.
Vitória de Obrador
A reforma é uma grande vitória para Obrador, que entrega o cargo à sua sucessora, Claudia Sheinbaum, em 1º de outubro.
Obrador defende a medida afirmando que ela garante que o Judiciário mexicano vai atender aos interesses do povo, e não à elite ou a criminosos.
Críticos, no entanto, veem a reforma como um ataque à independência do Judiciário e temem um desequilíbrio institucional em favor do partido governista e do crime organizado.
"Juízes deveriam ter um mandato garantido e ser protegidos de influência política, de modo a garantir que eles possam tomar decisões baseados apenas nos fatos de um caso e de acordo com a lei", disse a ONG Human Rights Watch ao criticar a reforma.
Em carta enviada a López Obrador em julho, o relator especial das Nações Unidas para a independência de juízes e advogados alertou que a reforma poderia "aumentar o risco de que candidatos ao Judiciário tentem agradar eleitores ou doadores de campanha a fim de aumentar suas chances de reeleição, em vez de tomar decisões baseadas exclusivamente em normas e padrões judiciais".
No Senado, a aprovação se deu por margem de um único voto, vindo de um senador que furou o bloqueio da oposição à medida. Um outro opositor alegou ter sido impedido de comparecer à votação. Também houve denúncias de que o partido de Obrador, o Morena, teria intimidado os senadores para garantir os 86 votos necessários à reforma – a sigla negou qualquer irregularidade.
Repercussão
Principais parceiros comerciais do México, os Estados Unidos e o Canadá alertaram que a reforma poderia prejudicar o pacto comercial entre os três países e impactar negativamente os investimentos.
A reforma também assustou os mercados, com o peso mexicano perdendo cerca de 17% de seu valor desde as eleições presidenciais de 2 de junho.
A presidente eleita, Claudia Sheinbaum, celebrou a aprovação da reforma nas redes sociais como sinal do "poder do povo" e avanço rumo à "imparcialidade da Justiça". "O regime de corrupção e privilégios se torna cada vez mais uma coisa do passado. Uma verdadeira democracia e Estado de Direito estão sendo construídos", escreveu no X.
ra (efe, afp, reuters, ots)